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Estacionei o uno verde da minha mãe na única vaga que tinha em frente a loja que Mirtes havia mencionado no e-mail. Eram oito horas e a loja ainda parecia fechada. Era uma fachada bonita. Um toldo dourado com as letras cursivas em preto: Jóia rara Joalheria. Bem original. Sai do carro e olhei pra dentro mas nem sinal de ninguém. Eu ia esperar. Sentei no carro de novo, o calor tinha amenizado um pouco e estava agradável agora. Acho que dormi e só acordei porque senti suor escorrendo no meu rosto e grudando meu cabelo loiro na nuca. A loja já tinha aberto, agora as persianas estavam levantadas e a porta com a plaquinha de aberto virada. Me olhei no retrovisor e vi além de mim mesma, vermelha, uma caminhoneta branca estacionada atrás do meu carro. Não tinha como eu sair. Torci pra não estar com bafo de quem acorda. Ajeitei os cabelos com as mãos e sai do carro. Respirei fundo, ajeitei minha bolsa no ombro e torci pra tudo dar certo. Tinha escolhido uma roupa que costumava usar. Troquei as calças jeans surrada por uma outra, preta mas discreta e bem cortada. Usava uma blusa de cetim branco, com renda. Coloquei um salto. Passei batom que agora já devia ter saído.Tentei ficar mais apresentável. Não queria e não podia me sabotar. Abri a porta da loja e eu pude ouvir um barulho de sino. Clássico. Dentro da loja o ar condicionado ligado deu um pequeno choque térmico em mim. O que foi uma delicia. Trinta minutos e o clima já tinha esquentado e muito!  lá dentro algumas vitrines de vidros expunham anéis e relógios. Outras Colares cintilantes e brincos. O piso de porcelanato branco refletia a luz da rua e brilhava. Não teto havia um lustre. Não um lustre, O lustre. Em nenhum lugar que eu tinha ido, por mais chique que fosse, tinha visto um lustre daqueles. Imponente e grande. Brilhava sobre o sol espalhando mini arco-íris sobre o chão. Não vi ninguém por ali e apertei a pasta com meus documentos na mão. Alguem atrás de uma porta falou:
- Só um momento!
Me ouvi falando um Ok em resposta.
Não sei se foi porque morei muito tempo em Costa Grande onde tudo era cheio de seguranças, alarmes e sensores, mas a loja de jóias aberta não parecia uma idéia inteligente. Se eu fosse alguém com má intenção podia roubar a loja toda e sair tranquilamente. A não ser pela caminhoneta trancando a minha saída, mas ok. Enquanto a pessoa  não aparecia, me aproximei da vitrine dos anéis. Um balcão envidraçado que tinha aros de ouro de vários tamanhos e modelos. Aros de prata. Anéis com pedras grandes moldadas de várias formas. Vinha sonhando com um desses por um tempo. Quando estorou a bomba sobre empresa do Thulio eu desisti. Tinha descoberto o porque que ele não podia casar comigo. Ele já era casado. E tinha uma filha. Quando eu fiquei ciente desse fato a minha ficha caiu e tudo começou a fazer sentido. Tudo começou a se encaixar. As pessoas que antes eram nossos amigos me olhavam como uma vagabunda que sai com homens casados. Ninguém na minha empresa se interessou em saber a minha versão. Depois do escândalo, meu chefe me questionou sobre as atitudes ilícitas da empresa do meu namorado. Em momento nenhum ele tinha mencionado o conhecimento desse fato. Perguntou até que ponto eu estava envolvida. Não quis acreditar quando eu disse que não sabia de nada. As pessoas me achavam uma tola. Como que eu pude ficar com um cara tanto tempo e não notar que ele era casado? Ninguém queria me ouvir. Eu tentava me explicar, justificar, mas ninguém queria acreditar em mim. Eu estava afundando cada dia mais. Bebia mais que o normal, usava uns remédios pra dormir, não tomava mais banho. Pelo prédio as senhoras que antes achavam eu e o Thulio éramos os novos "Brad e Angie", me viravam o rosto e ficavam cochichando nos cantos. Eu cansei de passar pelos corredores e ouvir "É claro que ela sabia!" a situação começou a ficar insustentável. Meu chefe me desligou da empresa. Não precisou explicar o motivo. Eu já sabia. Tinha falhado na minha missão de ser RP. Duplamente: Me envolvi com um cliente e Não consegui controla-lo.  Somado a isso o fato de eu ter mais dois grandes clientes e com eles, minha credibilidade estava a zero. Passaram as minhas contas pra outra pessoa e meu chefe em pessoa começou a cuidar da Webway. "Por hora, o que está empresa precisa e não estar vinculada à uma outra que comete crimes. Por isso vamos provar que eles não cometeram crime algum." Foi o que ele disse antes de pegar meu crachá. Continuei na cidade por mais alguns meses. Vendi o carro. Algumas roupas. O dinheiro era gasto em bebida e remédio pra dormir. Engordei uns dez quilos. As pessoas continuavam a me olhar torto. O caso ainda estava na mídia e todo mundo sabia, agora, do nosso "caso". Ninguém queria ouvir a minha versão. Eu só era a relações públicas que tinha se envolvido com o cliente casado. Eu estava um trapo quando vi que não dava mais. Estar lá e ver tudo que eu tinha trabalhado tanto escorrendo pelos dedos. Um dia, já tinha tomado algumas doses de uma vodka que o Thulio tinha deixado, subi no terraço com mais uma garrafa de vinho. Da minha cara adega. Sentei no parapeito e chorei. Igual a uma criança. Sentia falta da minha mãe. Do meu pai. Do aconchego do meu lar. Senti que não tinha mais como dar certo. Tinha chegado ao fundo do poço. Olhei pra baixo e vi a avenida movimentada. Viva. Me senti vazia e quis me jogar dali. Meio trôpega, desci do parapeito e decidi que ia voltar pra Enseada e esquecer o que eu vivi em Costa Grande.
- Oi! posso te ajudar?
A voz antes sem rosto se materializou na minha frente. O sorriso de dentes alvos. O cara do guarda-sol.
- Oi! - sorri, agora com certa tranquilidade.
Ele continuou sorrindo enquanto limpava a mão no avental sujo que usava.
- escolhendo um anel pro casório?
Triste ilusão.
- Na verdade - coloquei a pasta com os documentos no balcão. - vim por causa da vaga de recepcionista.
Ele assentiu e continuou sorrindo. Estendeu a mão por cima da vitrine.
- Matias.
Eu apertei a mão dele. Será que ele não lembrava de mim? Ok, eu estava de galochas ontem mas mesmo assim. Não tava tão irreconhecível. Eu que não ia perguntar se ele lembrava de mim. Apertei a mão dele com força.
- Cléo.
- Sim, claro. A Mirtes falou de você. Acho que agora finalmente vou ter que pagar a ela. - Ele deu uma risadinha e tirou meu currículo da pasta.
Enrrugou as sobrancelhas pra ler o que estava escrito ali. Meus pés começaram a latejar dentro do sapato. Não estava mais tão acostumada assim a usar salto.
Ele pigarreou e eu voltei a atenção pra ele.
- Ela, a Mirtes, me recomendou muito bem você. - meu sorriso se ampliou - Mas tô vendo aqui que você não tem experiência na função.
Meu coração afundou.
- É, não tenho - Engoli em seco - mas posso aprender. Com Certeza posso.
Ele me encarou e eu já não via mais o sorriso. Meu coração já pequeno, gelou. Ele tinha que me contratar. Por favor, por favor, que ele me contrate. 
- Vamos aprender juntos então. - Ele levantou os olhos do meu currículo. - Porque eu não faço idéia do que uma recepcionista deve fazer. -
Ele deu de ombros. - A loja era do meu avô que faleceu a três meses atrás.
Ele contou a História olhando nos meus olhos. Pude notar que eles ficavam mais escuros a medida que ele concluía a narrativa.
-Então, topa?
Eu abri um sorriso. E assenti.
- Topo.
Ele sorriu de volta. Que sorriso bonito ele tinha.
Matias me convidou pra um café e eu aceitei, claro. Meu novo chefe baixou as persianas e com meus documentos nas mãos, acionou o alarme.

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