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Meu primeiro dia de emprego no meu novo emprego. Eu até que estava empolgada. Mas não sabia muito bem como agir. Desci as escadas bem devagar, não queria acordar ninguém e também queria evitar perguntas. Eu me sentia muito nervosa, cheia de expectativas e mal sabia o que fazer quando chegasse lá.

No dia anterior, Matias até tinha me dito o que eu tinha que fazer. Ia me passar os preços das peças, me ensinar usar a maquina de cartão e eu ia precisar passar pano na loja, de vez em quando, ele disse. Honestamente, nunca me imaginei trabalhando de recepcionista numa loja de joias. Já tinha sonhado em ser médica, astronauta, chefe de cozinha e atriz de cinema. Recepcionista, não.

Depois de colocar minha sapatilha preta, me olhei no espelho que tinha no hall de entrada. Jeans, uma camisa social e minha bolsa velha. Não. Subi as escadas e troquei a calça pela preta que tinha usado no dia anterior. Coloquei a blusa por dentro da calça e penteei os cabelos num rabo de cavalo. Já tinha decidido: Meu primeiro salario seria gasto no salão de beleza. Eu precisava de um corte novo. De uma pintura. Meu Deus, precisava fazer a sobrancelha com urgência. Desci novamente as escadas em silencio e me olhei no espelho novamente. Bem mais apresentável. Ia com o carro da minha mãe, então peguei as chaves e parti rumo a minha mais nova jornada.

Desde que eu estava na escola sempre tinha concluído todos os projetos que tinha feito. Por mais que eles demorassem pra ser concluídos, eu os concluía. Construí a casa pra minha Barbie, demorou cerca de uns cinco meses mas, eu o fiz. Bati a minha meta de ler 50 livros num ano. Conclui meu curso a distancia. Meu novo emprego era mais um projeto que eu tinha que concluir. Por mais difícil que parecesse eu tinha que terminar. Levantar da cama era um projeto. Um projeto que todos os dias eu me obrigava a concluir. Nos últimos meses eu ficava na cama o dia todo, praticamente. Levantava pra ir ao banheiro e depois voltava pra cama. Levantava pra abrir a porta pro entregador e voltava pra cama. Tinha dispensando a diarista. Vivia isolada num mundo de comida em caixa e álcool. Levantava da cama, pegava o notebook e pedia remédios online e voltava pra cama. Minha cama era meu lugar seguro. Não que eu dormisse. Porque dormir mesmo, eu dormia bem pouco. Mas ficava ali, remoendo e chorando e querendo morrer a cada segundo que passava. Antes de vir embora, fiz a limpa no meu apartamento. Era um projeto e eu o conclui. Incinerei todos os meus cobertores, as fronhas e os lençóis. A cama, eu doei para o exercito da salvação.

Quando tinha ido no apartamento na semana passada, vi o vazio que ela deixou. Minha cama King size ocupava um espaço considerável do meu quarto gigantesco. Hoje, eu durmo num quarto que foi feito para uma adolescente. Tudo bem que a adolescente era eu mas, mesmo assim, me sinto encolhida ali dentro. Minha antiga cama era do tamanho do meu quarto hoje. Me sinto apertada ali dentro. Quando os caranguejos ermitão crescem demais, procuram uma concha nova em que possam viver mais confortavelmente. Essa sou eu. Um caranguejo ermitão vivendo numa concha pequena demais. Já passou da hora de eu buscar outra concha. Que tinha vista pro mar de Enseada.

Estacionei o carro da minha mãe na mesma vaga que havia estacionado no dia anterior. Desci e acionei o alarme do carro. Respirei fundo e pedi em pensamento: Meu Deus, que hoje seja um dia bom.

Não, eu não sou religiosa. Na verdade, acho uma besteira isso tudo. Minha mãe e meu pai vão na igreja mas isso pra mim não faz diferença. Como alguém pode acreditar num ser que não se vê? Como alguém pode falar com alguém que não responde? Meus pais já iam na igreja antes de eu me mudar de Enseada e por um tempo até tentaram me convencer de ir lá mas, eu prefiro deixar com eles essa baboseira de orações e tudo mais. Meu pedido foi mais força do hábito do que fé. Só pra dizer que pelo menos, eu pedi. Se parar pra pensar, não sei nem porque fiz isso se não creio nessa força superior que eles costumam chamar de Deus.

Entrei na loja e vi Matias segurando uma caneca de café em frente ao computador da loja. Ele levantou os olhos e sorriu pra mim quando ouviu o sininho da porta ressoar. Devolvi o sorriso e ajeitei a bolsa no ombro. Apesar do tempo estar ameno, senti o suor nas minhas mãos.

- Bom dia!

Ele, ainda sorrindo, se endireitou atras do computador e levantou a caneca em minha direção.

- Bom dia - Eu respondi. Queria andar até o balcão, meu cérebro deu a ordem mas meus pés não quiseram me obedecer.

- Café?

Ele ficava ali, me olhando. E eu sentindo que podia morrer de vergonha e de pânico a qualquer momento.

- Não, obrigada.

SIM! Uma caneca de café resolveria metade dos meus problemas. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo naquela manhã. Precisava urgente me controlar.

- Ok então. - Ele abriu a portinha e com a mão, me convidou a passar para atras do balcão - vamos trabalhar!

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⏰ Última atualização: Jun 09, 2017 ⏰

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