De todos os caras que eu conheci na vida, Thulio era o que menos fazia o meu tipo. Meio bruto, grande e desengonçado. Não necessariamente nessa ordem. Ele tinha mãos grandes, usava sempre camisas de cores fortes; rosa, vermelho e roxo eram suas favoritas. Naquela época, meu tipo andava engomadinho, dirigindo uma BMW e morando num prédio nobre no centro. Não que Thulio não tivesse tudo isso. Mas ele era espalhafatoso demais. Espontâneo demais. Quando nos vimos pela primeira vez ele me olhou de cima a baixo e deu de ombros. O sentimento que tive era que ele não me aprovava pra ser a Rp da empresa dele. E eu senti uma necessidade absurda de agradar. De fazer ele gostar de mim.Eu tinha estudado sobre a empresa dele e eu já sabia de muitas coisas. A Webway era uma empresa nova porém promissora. Criava e fazia a manutenção de sites. Projetos grandes estavam por vir. Eles estavam criando um software de busca e apesar de pequena iam precisar de um rp, no caso, eu. Thulio era o tipo de proprietário que queria saber de tudo. Perguntava tudo. Queria participar ativamente de cada decisão ou escolha. Não éramos próximos nem nada mas eu fazia um esforço pra ele ser gentil e agradável comigo. Cada pequeno gesto afável era uma vitória. Meu problema é que eu me envolvi demais nessa luta de receber atenção dele. Então, nossas reuniões tinham uma Cléo super produzida e cheirosa. Uma Cléo que investia em cursos, livros, workshops, pra poder estar por dentro do mundo desse cliente. As reuniões demoravam mais tempo que as outras e esse cliente quase me consumiu. Meu chefe um dia me chamou e disse que ou eu equilibrava as minhas contas ou ia perder meus antigos clientes. Tomei um choque de realidade e daí me afastei. E foi aí que tudo começou.
Eu me afastei e ele colou em mim. Me ligava pra bater papo, mandava mensagens. Me convidava pra jantar e eu ia.
Depois de me ignorar por quase seis meses ele estava me dando atenção. Atenção essa que eu apreciava e pedia por mais. Eu estava apaixonada. Pelo sorriso maroto dele, pelo cheiro, pelas palavras dele. Estávamos juntos o que não era nada, nada bom. Relação cliente X Rp tem de ser estritamente profissional. Mas eu não conseguia resistir.Ele tinha uma vida glamurosa, me levava pra restaurantes caros, bebíamos o melhor champanhe sempre. Paixão desenfreada. Nos amávamos e nos detestavam nas mesmas proporções. Tínhamos brigas horrorosas por causa de ciumes e reconciliações apaixonadas sob luz de velas e buques de rosas. Ele me traia, eu fingia que não via. Decidimos morar juntos, sem ninguém saber, não podia deixar meu chefe descobrir. As festas se tornaram mais frequentes, as bebedeiras também. Depois de um tempo foi perdendo a graça, eu já não queria ir mais. Mas o Thulio queria. Ia sozinho e eu ficava sozinha também. No meu apartamento super mobiliado. Com as minhas roupas caras e uma garrafa de vinho pra me acompanhar. Foi uma época em que eu bebia muito. Tomava muitos remédios. Quase não dormia. Se dormia.tinha pesadelos horríveis. Quando Thulio chegava era sempre a mesma coisa. Bêbado, as vezes drogado, cheirando a vômito e perfume de mulher. As vezes na acha seguinte ou três dias depois. Eu me ressentia, quebrava coisas, batia e apanhava. E depois fazíamos as pazes quando ele trazia uma jóia, uma flor e a promessa de que não ia se repetir.
Acordei sozinha numa manhã e lembrei da minha mãe. Foi uma dor corrosiva que eu senti. Ele já não estava mais na cama e eu sinceramente não lembro se tinha voltado pra ela. Me levantei, tomei um banho e decidi que ia mudar. Chega dessa vida de migalhas e derrota. O apartamento estava vazio. Nem sinal do meu "marido". Era uma conversa que sempre tínhamos, ele sempre prometia realizar esse meu sonho. Sempre prometia que um dia nós nos casariamos. Quando o projeto tivesse finalizado. Quando eu pegasse mais um cliente. Nunca era a hora de falar sobre isso. Fui até a porta pegar o jornal que assinavamos. E quase desmaiei quando li a notícia da capa. "Empresário é preso por tráfico de dados" Uma foto grande do Thulio numa festa qualquer. A matéria dizia que a empresa desenvolvia um software de busca de dados. Tinham cpf e outros dados de pessoas físicas. Eu estaquei e sentei no chão da sala. Como eu, que era Rp deles podia não saber? O que eu ia fazer pra defender meus clientes agora? No final da matéria dizia:"A esposa e filha do empresário foram vistas na companhia do advogado da família mas não quiseram dar nenhum depoimento."
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A Hora É Agora
Spirituální" Quando a vida se torna difícil. Quando você não se sente alguém. Quando o desprezo invade a tua alma. Quando das marcas só restam feridas. Quando o amor não é alcançado. Quando o mundo te deixa de lado e o coração explode na dor, é hora de ter um...