Capítulo 8

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A chuva caía forte quando ele entrou em uma pequena lojinha de eletrônicos nos subúrbios de Los Angeles, pendurando o guarda-chuva encharcado na entrada. Um senhor calvo e sorridente, atrás do balcão, foi quem o atendeu, desviando o olhar do noticiário matinal da pequena TV no
alto da parede: 

— Bom dia, o céu está desabando, hein! — disse em tom simpático.

— Está, e me parece que vai piorar! — Sorriu o outro, que estava vestido igual a todos os angelinos que se viam obrigados a sair do conforto de sua cama e enfrentar aquele dia frio e chuvoso.
Usava um coturno preto de cano largo sem detalhes, um sobretudo da mesma cor, cuja gola alta lhe chegava a cobrir parte do queixo. O gorro de cor grafite lhe cobria toda a cabeça, parte da testa e as orelhas, deixando apenas parte do rosto de fora, desprotegido do frio. As mãos estavam bem protegidas com luvas grossas e escuras.
— Verdade, na previsão do tempo diz que entre hoje e amanhã vai ser assim — lamentou o atendente. — Mas do que você tá precisando?
— De um celular, o mais barato que tiver — respondeu ele.
— É outro que teve o aparelho molhado pela chuva! — comentou o senhor.
— Ah, não, por sorte não é isso. Só esqueci meu aparelho em casa e não compensa voltar para buscar, como só retorno à noite, não posso passar o dia sem poder me comunicar com a família. E você sabe, usar o telefone no trabalho pode dar problemas! — disse sério.
— Se pode, já vi gente ser demitida por ficar usando telefone da empresa, uma moça que frequenta aqui, foi mandada embora por isso, ficava de frescurinha com o namorado, era só a patroa virar as costas, mas a conta chegou né, aí já viu!
— Pois é, prefiro evitar esse tipo de problema.
— Deixa eu pegar um aparelho pra você, já usou algum desses, né! Cê sabe, ficou sem usar por trinta dias, a linha é cancelada automaticamente.
— Sei sim, mas é só por hoje mesmo, depois dou para meus filhos brincarem. — Sorriu.
— Faz isso, por isso é que são descartáveis. — Gargalhou alto, enquanto abaixou procurando pelos aparelhos.
Ao se levantar, percebeu a atenção do cliente no noticiário, em que falavam de um pequeno discurso feito por Mauro Romero, integrante de uma quadrilha que foi preso com um comparsa ao assaltarem a Coffee Drinks.
— Já faz mais de uma semana e esse cara e o outro não entregaram os outros assaltantes — disse atraindo a atenção do cliente.
— Percebo, me parecem leais aos companheiros! — constatou.
— Não sei o motivo, os três fugiram com o dinheiro e deixaram eles lá pra ser presos. Os caras não tão nem aí pra esses idiotas e eles protegendo os outros bandidos. Pior é que tem gente vendo esse tal de Mauro Romero como vítima do sistema, se for assim, tava todo mundo roubando e matando! Sem contar que invadiu o nosso país, sabe que é ilegal? Cada absurdo! — O velho mostrou sua irritação no tom de voz.
— Ouvi dizer. Quanto devo? — disse pegando a caixinha encima do balcão.
— Ah, quinze dólares. Vai pagar em dinheiro ou cartão? — perguntou enquanto pegou uma sacola plástica para guardar o produto, entregando ao seu cliente em seguida.
— Dinheiro — disse dando-lhe algumas notas.
Em posse do aparelho, ele agradeceu, pegou o guarda-chuva e saiu da loja. Andou apressado, virando na primeira esquina à direita, caminhou mais um quarteirão, virando à esquerda. Dobrou mais duas esquinas até chegar ao seu carro, entrando rápido.
Antes que pudesse ligar o veículo, ouviu o toque do seu celular, estrategicamente colocado no painel do carro. Atendeu rápido ao ver o nome da esposa no identificador de chamada.
— Oi, amor. Está tudo bem? — perguntou Vincent ao atendê-la.
— Acho que estou melhorando, mas ainda sinto dor para sair da cama. Você já chegou ao trabalho? — perguntou com voz fanha.
— Estou quase, a chuva está forte, o trânsito está devagar!
— Ah, sim, só quero te pedir para me trazer mais analgésicos quando voltar para casa.
— Claro, Donna, eu ia mesmo levar. Logo você estará bem, minha linda!
— Tomara, Vince. Não gosto de faltar às aulas — disse ela com voz arrastada.
— Eu sei, amor, mas é necessário. Você precisa melhorar. Vou desligar, para não chegar atrasado. Se cuida, meu amor.
— Ok, te amo.
— Eu também te amo.
Vincent seguiu para o hospital, enquanto pensava no caso Mauro Romero. Assim como o atendente da loja de eletrônicos, ele não via aquele prisioneiro com bons olhos, embora tenha gostado do seu discurso, afinal, através de suas palavras ele soube de Loretta Romero, a mulher que aquele meliante citou e que estava grávida.
Pesquisou mais informações sobre ela na internet, as que encontrou foram suficientes para bolar um plano. Vincent achava incrível como era demasiado fácil descobrir detalhes sobre a vida de alguém, como por exemplo, em que lugar ela morava e seu número de telefone. Ele nem sequer precisou recorrer a uma lista telefônica, já que o número do celular dela estava vinculado a uma de suas redes sociais, visível para quem quisesse ver, como uma forma de contato.
****
Donna estava terrivelmente gripada, o que lhe parecia um resfriado leve e sem importância acabou por deixá-la de cama por quase três dias, nos quais Vincent fez de tudo para agradá-la, mostrando-se muito cuidadoso e preocupado.
Era impossível não gostar e até não se aproveitar do seu estado, para ter ainda mais mimos do marido. Só lamentava faltar ao trabalho, quando nessa semana deveria fazer a correção das avaliações e a apresentação das notas. Era verdade que ela não gostava muito desse período de provas e correções, mas sabia que o teria que fazer de qualquer forma, então estava apenas prolongando o trabalho do qual não tinha como fugir.
Esperava retornar para a universidade em no máximo dois dias, embora já estivesse melhor, ainda precisava de repouso.
Vincent havia lhe prometido um almoço especial no próximo sábado, para o qual convidaram Adelle e o novo namorado. Donna esperava estar recuperada para a ocasião, para que não tornasse o momento desagradável para o marido e a amiga.
No domingo, como sempre, iriam para missa. Depois disso, ela queria ajudar a servir o almoço em um evento beneficente organizado pela mesma igreja, com a finalidade de arrecadar recursos financeiros para futuras obras, já que os fiéis apontavam a necessidade de uma reforma.
Com tantos compromissos, Donna precisava urgentemente melhorar!
****
Vincent terminou seus afazeres do dia no hospital por volta das 14 horas. Tinha pressa de chegar em casa, pois Donna o aguardava com os medicamentos, fora o fato de que tinha planejado almoçar com a esposa, até já havia deixado preparado uma sopa suculenta e nutritiva. Sabia que Donna não teria descido à cozinha para comer, pois ele mesmo fez essa recomendação, por ela estar muito fraca. Até sugeriu contratar alguém para lhe fazer companhia, o que ela não quis, garantiu que poderia esperá-lo enquanto estivesse acamada, argumentando que nem sequer tinha fome, o que não lhe seria sofrimento algum esperar. Ele não argumentou, e ela assim
o fez.
No carro, ao olhar a caixinha com o aparelho que comprou, lembrou que precisava usá-lo logo. Ligou-o, escreveu uma mensagem curta, retirou um pequeno papel no qual havia uma numeração anotada, digitando-o em seguida. Enviou a mensagem com sucesso, já que obteve uma notificação de que a mesma havia chegado ao destinatário.
Deixou o aparelho no mudo, guardando-o junto da caixinha e do pequeno papel no porta-luvas do seu carro. Dirigiu satisfeito para sua casa. 

Ao chegar, se surpreendeu ao encontrar a esposa na cozinha. Usava

uma camisola longa de seda branca, com rendas apenas no decote, que estava quase coberto pelos cabelos louros. Embora estivesse com a face corada e com o nariz avermelhado por causa da gripe, Vincent não pôde deixar de sorrir ao constatar a beleza da companheira.
— Oi, amor, eu estava com fome — disse ela sorrindo, com os olhos refletindo os dias que esteve de cama, através de leves olheiras.
— Isso é ótimo, linda! — disse ele abraçando sua cintura e beijando sua testa.
— Não sou linda, estou doente e feia! — resmungou ela com uma expressão triste.
Ele se afastou e encarou seu rosto, como se estivesse o analisando.
— É verdade. Você está doente e feia... mas é perfeita! — Gargalhou alegre.
— Ai, Vince! — Donna fez careta e sorriu.
— Você quem disse, amor, não gosto de te contrariar. Você é linda mesmo doentinha e eu te amo.
— Obrigada, amor. Você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida! — disse olhando nos olhos dele.
— Então deixe essa "coisa" cuidar de você! — disse carregando-a com facilidade. — Vamos para o quarto, comeremos lá. Você vai ficar mais aquecida também. Vou te colocar na cama, aí venho pegar a sopa.
— Amor, eu posso ir andando — disse rindo.
— Pode, mas não vai — retrucou já nos degraus.
Vincent colocou a esposa na cama, e como havia prometido, retornou até a cozinha e preparou duas tigelas com sopa quente, levando-as em uma bandeja. 

Passaram a tarde juntos na cama, rindo e trocando carícias. Ele a medicou com cuidado e carinho, assim como sua mãe fazia. Com sorte, Donna voltaria a trabalhar no dia seguinte. 

Logo que a noite chegou, Vincent foi até seu carro para ver se havia alguma resposta àquela mensagem que tinha enviado. Ficou satisfeito ao ler: 

"Combinado. Eu vou."

O Ceifador de Anjos: A Coleção de FetosOnde histórias criam vida. Descubra agora