Um dia passou, sem novidades. Sem Medo esperava notícias da fronteira ou da Base. Outro
dia passou e a preocupação diminuiu. Talvez fosse apenas engano dos caçadores ou o exagero
natural do mujimbo. No entanto, o Comandante manteve o Depósito de prevenção.
Ao jantar, só havia Ondina: os outros militantes estavam retidos no Depósito. Comiam o pão
com chá, em silêncio.
– Andas preocupado – disse Ondina.
Ela não sabia de nada e não pudera compreender as idas e vindas. Sem Medo encolheu os
ombros.
– Estou farto de estar aqui. Só há problemas de dinheiro ou de indisciplina. A guerra está
longe do pensamento de todos. Numa Revolução, há os que vivem para ela e os que vivem
dela. Dir-se-ia que aqui se juntaram todos os que querem viver da Revolução. E são os que
sugam mais recursos e mais tempo.
– Se fôssemos dar uma volta? Podias-me convidar a passear.
– Não posso. Podem procurar-me para um assunto urgente.
– O André não se preocupava com isso – disse Ondina. – Saía sempre que lhe apetecia.
– O André era um burocrata e um sabotador. Agradeço que nunca me compares ao André.
Ondina baixou os olhos com a frieza súbita de Sem Medo. Sussurrou:
– Não queria comparar-te ao André, desculpa.
– Sair não podemos. Mas, se quiseres, podemos ir para a varanda apanhar fresco.
Foram para a varanda, deserta e escura. Sentaram-se no chão de cimento, contemplando as
estrelas e os quintais vazios. O movimento da pequena cidade tinha terminado, apenas por
vezes passavam pessoas a pé a caminho dum bar.
– Nunca gostei das cidades pequenas – disse Sem Medo. – Ou das grandes cidades ou do
mato. As cidades pequenas põem-me doente.
– O que não suportas é trabalhar num bureau.
– Isso também, claro. Mas as cidades pequenas, em que todos sabem tudo, põem-me doente.
– Por vezes penso que fugiste do teu curso, com o pretexto de vir para a luta. Não te vejo
como economista, sentado a uma secretária. No outro dia observei-te. Estavas sentado à
secretária e mexias todo o tempo, como quem está incomodamente instalado. Como
economista, devias ser bem infeliz...
– Depende. Há economistas que se mexem, que não trabalham num bureau.
Não me vês
como economista, vês-me então como?
– Militar.
– Só?
– Sim, só te vejo como militar.
– Também eu, Ondina. Esse é o problema. Porque um dia será necessário abandonar a arma,
já não haverá razão para vestir farda... Porque também não gosto de estar num exército
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Mayombe
RomanceO Mayombe começa com um comunicado de guerra. Eu escrevi o comunicado e...o comunicado pareceu-me muito frio, coisa para jornalista, e eu continuei o comunicado de guerra para mim, assim nasceu o livro." - Pepetela Escrito no período em que Pepetela...