EPÍLOGO

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O NARRADOR SOU EU, O COMISSÁRIO POLÍTICO.

A morte de Sem Medo constituiu para mim a mudança de pele dos vinte e cinco anos, a

metamorfose. Dolorosa, como toda metamorfose. Só me apercebi do que perdera (talvez o meu

reflexo dez anos projectado à frente), quando o inevitável se deu.

Sem Medo resolveu o seu problema fundamental: para se manter ele próprio, teria de ficar

ali, no Mayombe. Terá nascido demasiado cedo ou demasiado tarde? Em todo o caso, fora do

seu tempo, como qualquer herói de tragédia.

Eu evoluo e construo uma nova pele. Há os que precisam de escrever para despir a pele que

lhes não cabe já. Outros mudam de país. Outros de amante. Outros de nome ou de penteado.

Eu perdi o amigo.

Do coração do Bié, a mil quilómetros do Mayombe, depois de uma marcha de um mês,

rodeado de amigos novos, onde vim ocupar o lugar que ele não ocupou, contemplo o passado eo futuro. E vejo quão irrisória é a existência do indivíduo. É, no entanto, ela que marca o

avanço no tempo.

Penso, como ele, que a fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no deserto. Os

homens dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde se encontra esse

caminho de areia no meio da areia? Existem, no entanto, e eu sou um deles.

Sem Medo também o sabia. Mas insistia em que era um caminho no deserto. Por isso se ria

dos que diziam que era um trilho cortando, nítido, o verde do Mayombe. Hoje sei que não há

trilhos amarelos no meio do verde.

Tal é o destino de Ogun, o Prometeu africano.

DOLISIE, 1971


1 Vewê é o nome que se dá ao carro Volkswagen (V.W.). Os guerrilheiros chamavam

assim os cágados pela semelhança da forma com a viatura. (N. do Autor.)

2 Mujimbo – notícia.

3 Buala – kimbo, sanzala, povoação.

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