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Manter o equilíbrio sobre os saltos logo cedo, sem nem ao menos ter tomado café, é uma luta injusta.
Não costumo tomar café da manhã em casa, não tenho comida e nem paciência suficiente para isso. Como faço todas as manhãs, antes de chegar ao trabalho, passo na Confeitaria & Cafeteria Aroma's e compro um café duplo, amargo, e três biscoitos integrais.
Estaciono meu carro na garagem da empresa e começo a recolher minhas coisas: pasta de trabalho, computador e bolsa. Arrumo mais uma vez o cabelo, usando o espelho retrovisor, e suspiro. Vai ser um dia daqueles. Aliás, como todos os dias desse mês.
Enquanto espero o elevador, coloco meu café da manhã em cima da mesinha da sala de espera e ajeito o decote da minha blusa de seda.
Seda é a tendência da campanha. Transparência e contrastes. A feminilidade e a sutileza estão em alta.
No elevador, cumprimento alguns colegas de trabalho, sem sorrir ou dar chance de iniciarem uma conversa. Sei que tenho fama de dama de gelo, e acredito que não seja exagero algum. Logo no início da carreira, descobri o peso que preciso carregar sendo a peça chave da empresa. Não posso me dar ao luxo de demonstrar fraqueza, então pego meu celular e começo a checar e-mails. Nunca fui de muitos amigos, e nem faço questão de ser. A Bárbara e a Dolores me são suficientes!
Enfim, meu andar. Passo por uma porta de vidro escuro, que dá à sala da Barbie, e quase tenho um infarto. Qual é o problema da Barbie afinal? Acaso ela é daltônica ou totalmente alheia a qualquer senso de como se vestir sem parecer um holofote de três cores, que jamais, nem daqui a cem anos, combinariam?
— Barbie, o pessoal da produção está pedindo a ficha técnica da coleção. Você poderia falar com eles?
— Poderia sim, senhora! E um bom dia pra você também, Dona Estilista! — responde com ironia.
Eu decido retrucar:
— Vem cá, na loja onde você comprou essa blusa não tinha uma cor menos chamativa, não? Ou esse foi o único jeito que você arrumou de chamar a atenção de todos na empresa?
— Olha, Leila, eu sei que você é a estilista do momento e tal, mas vou ignorar a sua análise venenosa e invejosa sobre as minhas vestimentas — para de falar para pegar uma jujuba, de um pacote escondido na sua gaveta, depois continua disparando: — Ou, se quiser continuar, podemos falar sobre essa coisa horrorosa que você coloca no seu cabelo pra tentar domar o pobre coitado. Isso sem contar o salto agulha que parece uma arma medieval e faz você andar como um robô.
A coisa horrorosa a que ela se refere é um acessório que eu desenhei para uso pessoal. Uma espécie de tiara transpassada que prende o cabelo, feita com um tecido que eu mesma estampei, na época da faculdade. Um acessório de bom gosto que, por sinal, é muito elogiado por todos.
O gosto da Bárbara é duvidoso, realmente. Não sei como nossa amizade ainda se mantém. Suspiro e entro na minha sala. É melhor mesmo apaziguar essa discussão, porque ela não levará nenhuma de nós das duas a lugar algum.
Discutir com a Barbie sempre foi uma perda de tempo, e piorou agora que ela está no aviso prévio. Vai deixar o cargo de assistente pessoal para se tornar professora de artesanato da terceira idade.
Barbie e suas estranhas escolhas.
Pegando seus cadernos de anotações e agenda, ela se levanta e vai em direção à sala de criação das modelistas, mas vira-se com ar de seriedade, antes de sair da sala, e suspira.
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Acima do Salto Agulha (CHICK LIT)
Chick-LitEla estava no topo... Encontrou o amor...Perdeu tudo... E descobriu que precisava descer do salto pra conseguir seguir em frente! Aos 36 anos Leila Dias Watson só espera uma coisa na vida: se tornar sócia na Atlas, empresa onde é estilista. Ela é ri...