Capítulo 4

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Passei uma boa parte da noite pensando, não só na viagem, mas também em tudo, o que poderia acontecer, como seria meu dia a dia, as coisas que poderíamos fazer juntos , as conversas , as caminhadas , as vidas em geral. Mas o que eu mais ansiava era poder passar um bom tempo deitado no telhado conversando com ela - não venha julgar a mim, o problema é seu se não gosta dos meus sonhos - e colocando em dia tudo o que perdemos na vida um do outro. Caí no sono em algum pedaço da parte "sonhando com ela".

Acordei pontualmente às seis e cinquenta da manhã - já era o grande dia - por volta das sete e meia eu receberia uma ligação dela, mas até lá, eu precisaria fazer alguma coisa para ocupar a mente. Levantei da cama tomei café e preparei para ir encontrá-los .

Avisei meus pais que estava saindo e fui andando até a locadora do meu tio para tentar convencê-lo a me emprestar um carro e seu filho mais velho - querendo ou não eu ainda não tinha carta, e dependia de alguém que tinha. Meu tio era um senhor de meia idade, por volta de seus 45 anos de idade e feições jovens. A empresa era do meu avô , mas por causa da idade e as dificuldades de comandá-la , passou para seu filho mais velho. Era do beneplácito -olha que palavra bonita- do tio Toni que um dia, seu filho mais velho , Pedro, assumisse em companhia do caçula , Felipe.

Segui da minha casa até a "Oficina do vô João "- que era o apelido carinhoso da locadora- de bicicleta, que deixei estacionada perto do portão e segui para a entrada de vidro. O pátio, abarrotado de carros e motos numerados, tinha cerca de oitenta metros por cinquenta.

Desviando dos veículos rapidamente, atravessei o pátio em direção à porta, que empurrei, sentindo o dramático contraste do ar condicionado com o clima quente e seco de minha cidade.

Fui até o balcão de mármore para tentar falar com o tio Toni. A atendente era uma jovem de uns vinte e três anos, - provavelmente estagiária- alta , magra , com seus cabelos loiros tingidos e lhos castanhos, com o uniforme azul-claro da empresa. Resolvi me aproximar.

- Com licença.. -ela levantou ligeiramente o olhar- gostaria de Falar com Antônio .

- Senhor,tem horário marcado?

- Moça, é urgente, eu preciso falar com ele .

-Infelizmente, sem marcar horário você não pode falar com ele.

- Qual seu nome, senhorita?

-Júlia, senhor - mesmo dificultando minha vida, ela parecia ser uma jovem legal, mas com cara de que estava cansada não parecia muito convincente.

- Júlia, você pode pelo menos ligar para ele e falar que o Roug está aqui. Acredito que ele vai abrir uma exceção. Por favor.

Eu já havia chegado ao ponto de implorar para ser ouvido, já estou falando como um chorão abobalhado, mas para ser sincero, era isso em que eu estava me transformando.

- Roug, não é mesmo ? Me desculpe, mas sem marcar um horário não posso fazer nada para te ajudar, mas tenho certeza semana que vem ele estará livre na terça.

Estava pronto para responder que não dava tempo, quando Pedro entrou na sala - minha saída e um dos favores que eu ia pedir para o tio Toni - ele estava bem vestido, com um blazer preto por cima do uniforme. Por ser o mais velho , ajudava o pai nos negócios da empresa - e pelo visto subiu de cargo rápido, por que no seu crachá com sua foto sorridente estava escrito administração.

- Fala aê primo, qual a nova ? – perguntou.

- Preciso falar com seu pai. É urgente.

- Sobe aí, eu vou ligar para ele daqui , vou agilizar para você - quando ele chegou perto da assistente, ela enrubesceu e ficou ligeiramente constrangida. Imediatamente percebi do que se tratava, mas resolvi deixar para outra hora. Agora era hora de outro assunto.

Meu tio estava em sua sala de mármore e vidro , vestido com uma camisa polo cinza com um crachá por cima.Quando me aproximei, levantou de sua poltrona - que para ser sincero parecia muito confortável- e estendeu a mão com a testa franzida e os olhos castanhos cansados. Apertei a mão estendida.

- Benção , tio?

-Deus te abençoe - disse, sorrindo.

-Posso falar com o senhor?

-Claro! Sente-se -disse apontando para uma cadeira metálica com um encosto em couro preto liso- do que se trata?

-Eu vou ser direto, preciso de um carro e do seu filho mais velho.

-Roug - franziu o cenho para fazer aquele "olhar burocrático" e cruzou os dedos em cima da mesa - você sabe que não é assim que as coisas funcionam , isso não é uma coisa fácil, não dá para simplesmente liberar uma funcionário em pleno período produtivo do dia. Mas para quê , afinal?

Expliquei toda a história da forma mais convincente possível, mas mesmo assim ele não parecia muito comovido.Então falei que era uma questão de vida ou morte para dar um tom hiperbólico .

-Vamos fazer o seguinte, o senhor me empresta o carro e Pedro, que eu trabalho para compensar o aluguel e o dia de trabalho do seu filho, incluindo o bônus.

Ele realmente parecia ponderar a situação , mas era difícil decifrar aquele olhar. Por alguns instantes ele analisou o calendário, ora olhando para mim ,ora para os nós dos dedos. Por fim, se deu por vencido com um longo suspiro.

-Muito bem , pode ir, mas cuidado, não vou responder por qualquer coisa que você fizer ou dano causado ao carro.Pegue as chaves lá embaixo com a Júlia, na recepção administrativa.

-Obrigado tio, até mais.

-Até, mande um abraço para seus pais .

Sussurros ao VentoWhere stories live. Discover now