Capítulo5

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Capítulo 5

Ilda era uma mulher muito ocupada. Mesmo depois de ter me recebido para uma reunião, mantinha-se atenta a diversos relatórios sobre a mesa. Por vezes parecia ignorar a minha presença. Lia alguns contratos sem pressa, alisava os cabelos com a ponta dos dedos e mordiscava a caneta sem acanhamento.

Não critiquei o seu comportamento, e havia uma razão muito lógica para isso. Ilda era uma executiva de sucesso. Tudo que fazia ou deixava de fazer tinha um só objetivo: ser a melhor. No mercado editorial há muito sacrifício e dedicação. Qualquer um que se aventure nesse mundo sem um pingo de agressividade, estará fadado ao fracasso.

Pacientemente esperei, fascinado com cada gesto de Ilda. Os raios de sol atingiam seu corpo dando-lhe um volume excitante. Os seios se tornavam mais protuberantes, saltando do decote, imponentes. Quando ela se agachava para buscar algum arquivo na gaveta mais baixa, sua cintura se tornava visível, uma faixa fina e perfeitamente bronzeada. E aquele bumbum, meu Deus, quanto mistério escondia.

Quando a secretária entrava na sala, Ilda mudava de postura, ficando mais rígida e impenetrável. Aquilo me atingia de uma forma inexplicável, como se tivesse medo, um temor irracional de estar naquele lugar. Era como se houvesse duas mulheres ali, revezando-se de acordo com a ocasião. Para mim isso era perigoso. Poderia dizer algo que seria mal interpretado. Quando se quer dizer algo, mesmo que considere relevante, precisa conhecer bem o ouvinte e esperar todo tipo de reação; mas quando está diante de alguém com uma dupla personalidade, era como se vivesse preso a uma roleta russa.

Em dez minutos comecei a sentir frio. O ar-condicionado estava na temperatura mais baixa. Ilda parecia não se importar, seguindo de um lado para o outro da sala com as pernas nuas naquele frio congelante.

- Tenho muito trabalho esta semana. Temos dois grandes contratos com renomados escritores. Preciso deixar tudo pronto para amanhã – disse ela, como se falasse para si mesma.

Apenas sorri, esperando que ela olhasse para mim e esperasse uma resposta. Ao contrário, continuou organizando dezenas de páginas em três volumes.

Por fim ela me fitou, tirando os óculos. Ilda arqueou a sobrancelha esquerda e inclinou o rosto, deixando-me um tanto sem jeito. Alguns de seus gestos eram por demais enigmáticos. Repousou a mão direita sobre a perna, ficando em silêncio.

Pensei em dizer alguma coisa, mas era o meu primeiro dia e não podia estragar tudo. Detive-me, embora fosse uma tarefa complicada, limitando-me a sorrir. Por sorte o silêncio não durou muito.

- Gostei de sua roupa – disse ela, mordendo o bico da caneta. – Muitos de meus funcionários não se preocupam muito com o vestuário. Não sou rigorosa nesse quesito, mas gostaria que todos tivessem o mesmo zelo que você.

- Muito obrigado, senhora.

- Ilda – replicou, dando ênfase no "Il". – Pode me chamar de senhora na frente dos clientes, porém aqui quero que me chame pelo nome. Não acha justo?

- Perfeitamente.

- Pois bem. Hoje é o seu primeiro dia. Não espero que se revele um tagarela; mas você fala pouco, para um estudante de Letras.

- Achei por bem ser um pouco discreto. Na verdade, sou bem discreto. Não costumo falar muito.

- Entendo.

Ilda levantou-se e seguiu para a janela. Cruzou os braços abaixo dos seios e prosseguiu, com a voz mais branda.

- Pode me dizer o que é um revisor?

- O profissional responsável pela revisão de textos de qualquer natureza.

- Numa editora de fundo de quintal, pode ser; mas aqui não conhecemos essa definição.

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⏰ Última atualização: Apr 23, 2016 ⏰

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