2- Colidiu

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Cláudio

Quando minha mãe olhou dentro dos meus olhos naquela noite, há catorze anos, achei que ela brigaria comigo por estar beijando daquele jeito a filha dos nossos vizinhos. Eu sabia que quando nossos pais descobrissem, levaríamos broncas severas e já até fazíamos planos de nos ver escondido, caso proibissem nossa ligação. Eu e a Naná tínhamos plano A, B, C... Algum tinha que dar certo. Ficar sem nos ver não fazia parte de nossa lista.

Mas então minha mãe respirou fundo e disse:

— Pega umas mudas de roupas. Vamos viajar.

— Quando?

— Já. — ela respondeu, seca.

— Vamos viajar só porque eu beijei a Nathália? — Eu precisava entender.

— Não. Não tem nada a ver com você. Só precisamos ir. Se apressa!

Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Lembro que relutei o quanto pude, perguntei para onde iríamos, quanto tempo levaria a nossa viagem e se a gente poderia esperar a Naná voltar. A resposta foi "Não".

Vendo que eu não estava a fim de arrumar minha mala, minha mãe mesmo fez isso.

— Eu não quero ir. — disse enquanto ela levava nossas coisas para o carro do meu pai. Ele não estava em casa. Havia saído fazia horas, todo sorridente e cantarolando.

Ele e minha mãe quase não conversavam, mas brigavam com muita frequência e isso a deixava triste. Quando ela me ouviu dizer que eu não queria ir, vi seus olhos se encherem de lágrimas. Me senti culpado por aquilo, embora continuasse com medo daquela viagem absurda que ela estava pretendendo.

— Mãe, a gente vai voltar?

— Um dia. — ela respondeu, secando as lágrimas.

Lembro de ter escrito um bilhete às pressas e de catar algumas coisas e jogar numa mochila. As cartas da Naná, as fotos que eu havia roubado da agenda dela e algumas outras coisas que hoje nem me recordo.

Antes de entrar no carro, atravessei a rua, pulei o muro e joguei o bilhete pela fresta da janela.

Enquanto minha mãe dirigia pela estrada escura, eu só chorava em silêncio.

Minha mãe dirigiu a noite inteira e parte da manhã também. Não conversamos durante a viagem. Eu não queria assunto e ela respeitou minha tristeza.

Fomos morar em Belo Horizonte. Minha mãe não quis deixar rastros. Não queria que meu pai nos encontrasse. Quando eu fiz quinze anos e havia me tornado um adolescente ranzinza e anti-social, ela puxou uma cadeira e me contou as coisas que eu não sabia. A traição do meu pai. Ela descobriu o caso que ele tinha fazia anos, com uma vizinha nossa, que morava no fim da rua. Ela era amiga da minha mãe e estava apunhalando-a desse modo baixo. Minha mãe disse que não suportava mais morar naquele lugar onde todos sabiam o que meu pai aprontava, por isso ela decidiu vir embora.

— Não foi por maldade que tirei você de lá, meu filho. Eu estava muito perdida, humilhada, com vergonha...

Se por um lado eu compreendi os dramas da minha mãe, por outro eu tinha os meus. Eu sentia saudades do meu pai. Ele podia ter sido um babaca com a minha mãe, mas comigo ele era o cara mais genial que podia ser. E eu continuava sentindo muito a falta dele e da Naná.

Minha mãe estava bem àquela altura. Estava trabalhando numa escola e havia conhecido um cara legal que era inspetor da escola. Eles já estavam até morando juntos.

Renato. Ele sempre foi um cara legal com minha mãe. A fazia feliz e me tratava muito bem. Mas ele não era meu pai e eu fazia questão de deixar isso claro para ele a todo tempo.

Doce Amizade (Completo Na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora