Capítulo 3

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Depois do daquele dia da cena entre Arthur e minha mãe, não tive mais sonhos. Eu deveria ficar aliviada, mas não conseguia, claramente- ou não- havia alguma história por trás disso tudo, e a fala do menino ser exatamente igual no sonho e na "vida real" era a prova disso. Eu apenas precisava saber o que estava acontecendo e que fim isso teria- claro que estava torcendo para não acabar morta, seja esfaqueada pelo Lucas, seja com a "apunhalada pelas costas", ou sei lá o que.

Passaram-se algumas semanas, e a estreia da peça, que alias teria mais de 30 exibições, estava chegando, o que significava mais ensaios e mais esforço de toda a equipe para tudo sair como esperávamos. Foram os 15 dias mais cansativos da minha vida, e além da exaustão que a peça me proporcionava, era a semana de provas e como o projeto de curso grátis de teatro estava relacionado com a escola, se você tirasse notas baixas, seria afastado temporariamente ou até mesmo expulso do curso, o que de maneira alguma poderia acontecer.

Eu estava nervosa com as provas, pois não estava conseguindo acompanhar muito bem as aulas, meus pensamentos sempre estavam nos sonhos...

Por sorte, sempre em época de provas, eu e meu amigo Paulo costumamos rever a matéria juntos,e como somos "nerds" sempre tiramos a dúvida um do outro ou coisas assim. Havia um tempo em que eu não falava com ele, alias, com qualquer um, demorei pra perceber que acabei me afastando de todo mundo. Por sorte, Paulo veio até mim, e perguntou se iriamos estudar, o que me iria me livrar da parte vergonhosa e constrangedora de pedir desculpas e etc, mas mesmo assim, mais tarde, o fiz.

Como depois das aulas eu tinha de ir direto para o ensaio, combinamos de nos encontrar após o mesmo acabar, na minha casa. E assim foi, ele chegou quase que junto comigo, comemos um lanchinho e estudamos todas as matérias. Tenho muita sorte de ter um amigo como ele, que conseguiu me resumir um bimestre inteiro em uma ou duas horas. Ele era praticamente um vizinho, não morava na casa ao lado mas morava na mesma rua, e a mãe dele não via problema em deixar ele ficar até mais tarde em casa, e a minha também não, então, assim que acabamos, começamos a conversar:

-Gabbie, o que está acontecendo com você ultimamente?

-Eu apenas estou preocupada com a peça e não consigo pensar em outra coisa a não ser minhas falas.-menti, muito mal alias, mas mesmo que tivesse arranjado uma boa desculpa, Paulo me conhecia a tempo suficiente para saber quando estou mentindo.

-Qual é, você sabe que não precisa esconder nada de mim...

Ele estava certo, eu realmente não precisava esconder nada dele, era meu melhor amigo desde que me entendo por gente. Então, se alguém tinha que saber sobre isso tudo, era ele, eu apenas abri a boca e contei tudo, exatamente tudo!

A reação dele não foi nem um pouco parecido com o que eu imaginava, ele não ficou surpreso, parecia a expressão que você faz quando alguém te conta pela milionésima vez a mesma história, a qual você já decorou todos os detalhes, até os que geralmente passam despercebidos. Ele apenas me disse para tomar cuidado, olhou o relógio, disse que estava tarde e partiu.

Pronto, dos sonhos, o meu foco foi para a reação de Paulo. Será que ele já havia passado -ou conhecia alguém que já havia passado- por alguma situação semelhante? Era a única explicação para ele agir desse modo. Além de que, o Paulo nunca é de sair assim, sem mais nem menos, sem no mínimo, tecer uma tese totalmente louca sobre qualquer coisa quando alguém lhe diz uma história, ou um problema, ou qualquer outra coisa do gênero.

Era realmente muito estranho, e foi o motivo da minha insônia naquela noite. Eu sentia que estava me distanciando cada vez mais de achar a resposta para as minhas milhões de perguntas. Eu tinha de fazer alguma coisa, mas o quê? Não havia nada a se fazer, era isso o que mais me preocupava.

Depois daquela noite, Paulo não falava mais direito comigo, se eu não fosse conversar com ele, ele não vinha, e mesmo quando eu ia, em qualquer assunto que eu tentasse falar, ele desconversava, quase que dizendo: "Saia logo daqui, o que você está esperando?", e foi o que fiz. Me sentia culpada por simplesmente " abandonar" algum amigo assim, mas parecia que era o que ele queria, e se essa era a vontade dele o que eu poderia fazer? E no meio dessa confusão toda, me veio a idéia de que ele poderia ser a pessoa em que eu mais confiaria à me fazer mal. Ele realmente era a pessoa que eu mais confiava, mais do que minha mãe, afinal, sou como qualquer adolescente "clássica", que arranja intrigas com a mãe e prefere os amigos à ela, e Paulo era a pessoa que sempre estava ali quando eu precisava ou qualquer outra coisa do gênero, e isso era recíproco.

De repente me vi perdida entre pessoas que eu já não sabia se conhecia ou não, embora, até o momento eu achava que poderia escrever uma biografia contando todos os detalhes de todas as histórias que haviam vivido. Já não sabia se esse sentimento era real, ou se estava procurando problema onde não tem, como frequentemente faço.

"De tempo ao tempo, de tempo ao tempo, de tempo ao tempo, de tempo ao tempo..."

Era o que ficava repetindo mentalmente, e era o que eu pretendia fazer até finalmente eu "dar tempo ao tempo"...

Bom, me concentrei nas provas e fui bem em todas, o que me deu um enorme alívio. Deixei todas as confusões com os sonhos, minha mãe e Paulo de lado, e me concentrei na peça. Estava à alguns dias da estreia, não poderiam haver qualquer erro, e não digo apenas de erro de minha parte, e sim, de todo o elenco. E assim foi o resto da minha semana, e o melhor disso tudo, foi que, em todas as vezes que deitei a cabeça no travesseiro, consegui dormir bem e não tive mais sonhos...

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