Londres, 15 de setembro de 1730
Meu querido Dan
Pensei que abandonando meu vilarejo, minhas crenças, meus costumes e tudo que eu acreditava me definir enquanto ser humano, eu o esqueceria.
Tentei de todas as formas esquecê-lo e esquecer todos os nossos momentos juntos e enganei a mim mesma todos esses anos acreditando que tinha conseguido.
Porque eu não consegui. Na verdade, quando você apareceu na minha janela esta noite meu coração bateu tão forte, quanto no dia em que me entreguei a você aos dezessete anos.
Quando você me beijou, todas as lembranças boas renasceram em mim e senti uma revolta tão grande por termos nos separado por tanto tempo por um mal-entendido, que agora tudo que eu consigo pensar é no quanto eu quero repor todo esse tempo perdido.
Sei que eu disse que não podemos ficar juntos, que preciso de um tempo para explicar para as minhas (nossas) filhas a verdade sobre quem eu realmente sou. E sobre quem elas realmente são.
Estou enviando esta carta para que você entenda que meu amor por você ainda é o mesmo de quando éramos adolescentes e brincávamos no lago. Porém eu não tenho mais dezessete anos. Sou uma mulher casada e mãe de quatro filhas. Não posso abandonar meu marido agora. Ele está muito doente e foi muito bom para mim em todo esse tempo em que acreditei que você tivesse me enganado. John não merece que eu aja desta forma e eu não conseguiria ser feliz com você sabendo que nosso amor causou dor em outra pessoa.
Quando ficarmos juntos, não quero nenhum peso na consciência assombrando nossa felicidade.
Meu marido não tem muito tempo de vida e o tempo que lhe resta pretendo permanecer ao seu lado. Nosso casamento não tem sido consumado já tem algum tempo devido à doença que o consome e ele inclusive já me deu "permissão" para suprir minhas necessidades "de mulher" com outro homem, já que ele não pode mais fazer isso e eu ainda sou tão jovem. Você não imagina a dor que eu vi nos olhos dele enquanto ele dizia isso. Então sim, podemos nos encontrar, mas como de costume nosso romance terá que ser proibido. Ao menos por um tempo.
Também não contarei a John, que ele não é o pai biológico das gêmeas. Ele não merece esse sofrimento nessa altura dos acontecimentos. Permita que ele morra acreditando ser o pai delas, afinal ele tem sido desde o dia que elas nasceram.
Isto não quer dizer que você não possa fazer parte da vida delas. Posso apresenta-lo como um amigo de infância, o que não seria uma mentira. Inclusive acho que seria melhor que você criasse um vínculo com elas antes que eu conte a elas que você é o pai biológico delas.
Se você concordar com todas essas condições, podemos voltar a nos ver em breve e nos conhecer como adultos. Não sabemos nada um sobre o outro há muito tempo! Talvez você acabe descobrindo que nem ama esta pessoa que eu sou hoje. Eu mudei tanto! Tenho vivido há tanto tempo como uma esposa católica que acho que nem lembro da mulher livre e espontânea que eu costumava ser. E você continua o mesmo, como se tivesse passado esses oito anos congelado e guardado até o dia em que me encontrou aqui.
Desculpe por não ter conseguido dizer todas essas palavras no nosso breve encontro. Eu nem tive a chance de dizer que ainda o amo. Que sempre o amei. E que mesmo quando o odiei por pensar que você fosse o responsável pela tragédia da minha família, eu ainda assim o amei com todo o meu coração. Espero que você possa me explicar com calma tudo isso por cartas, porque no momento em que eu ver você novamente a última coisa que vou querer, é conversar.
Quero cravar minhas unhas em cada centímetro da sua pele por ter demorado tanto tempo para me encontrar.
Você não tem ideia de como eu senti falta do som da sua voz sussurrando no meu ouvido nos nossos encontros proibidos. Da sua barba deixando seu rastro pelo meu corpo todo. De sentir o calor da sua pele contra a minha e os seus lábios tocando os meus. Meu corpo se arrepia e se aquece somente por estar escrevendo estas palavras.
Por favor me escreva o mais rápido que puder, assim que esta carta chegar. Minha vida ultimamente tem poucas alegrias e o seu retorno para ela tem sido como um sopro de vitalidade.
Estou mandando juntamente com ela todo meu amor e um milhão de beijos espalhados por todo seu corpo e meu perfume borrifado no papel para que você sinta meu cheiro e imagine minha presença quando for se deitar.
E mais uma vez:
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Ontem, hoje e sempre. Até o mundo acabar.
Abençoado seja.
Sempre sua, Grace.
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CONTO - Marcas do passado - K. Corsiolli (sem edição)
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