Bleue

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Suspirei e observei a sala alinhada. Havia um sofá de um dos lados e duas poltronas do outro. A recepcionista, senhora de cabelos castanhos e corpo pequeno, parecia bastante entretida em sua tarefa de organizar documentos que, a meu ver, não passavam de uma burocracia insuportável e desnecessária. Não era exatamente uma das funções que eu gostaria de exercer. Caminhei até o banheiro, constrangida. Há momentos em que sinto que todos estão me observando.

O espelho. Tão fascinante como um simples objeto, inútil aos olhos daqueles que não querem enxergar, reflete a realidade fria e seca. Às vezes eu imagino se há alguém do outro lado, me assistindo. Não um fantasma ou um monstro, alguém, simplesmente alguém.

Acariciei meus cabelos finos e quebradiços, coloridos em um tom ruivo forte nas pontas, que, conforme chegava à raiz, ia clareando até se tornar um loiro suavemente alaranjado. Fitei meu rosto, observando minha pele esbranquiçada e o contorno suave das bochechas, que me conferia uma aparência singular e marcante. Eu não me reconhecia. Aquele reflexo parecia ser de outra pessoa.

– Nynive! Venha logo! – evocou mamãe, abandonando qualquer traço de sensatez e educação ao escancarar a porta.

– Não faça isso, eu odeio quando a senhora me assusta – sussurrei entre dentes.

– Desculpe-me. Ande logo, antes que alguém tome nosso lugar.

Agarrei minha mochila e saí apressadamente em direção ao consultório, esbarrando no vaso que se encontrava ao lado da saída. Logo deixei a minúscula e elegante sala de espera, seguindo por um estreito e curto corredor até chegar ao meu destino. Abri a porta, observando de relance mamãe acomodar-se no sofá que havia ao lado de fora antes de fechá-la.

Sentei-me e fitei Heinrich, moço jovem, de feições maduras e belíssimos olhos verde-limão que sintonizavam harmonicamente com seus cabelos loiros e despenteados. Eu estava habituada à sua aura de calma e tranquilidade. Era o psiquiatra dos sonhos de qualquer um, doce e compreensivo, difícil de encontrar. Eu realmente gostava dele, mas não me dava ao luxo de demonstrar isto.

– Raposa, eu tenho uma notícia – anunciou animadamente, enquanto preenchia o que me pareceu ser um formulário.

– É, tanto faz – retruquei secamente, tentando não demonstrar curiosidade. A verdade é que eu rasparia meu cabelo por uma novidade interessante que me tirasse da monotonia em que me encontrava.

– Pare de se fazer de difícil, moça, sei que está morrendo de vontade de saber o que é – gargalhou ele, aproximando-se do balcão – Eu quero lhe perguntar se você aceita tornar-se parte de um teste.

– Doutor Heinrich – convocou a secretária, abrindo a porta subitamente e hesitando ao perceber que estávamos durante uma consulta – Desculpe-me por interrompê-lo, mas pode vir aqui por um segundo?

– Claro – respondeu, levantando-se rapidamente e dirigindo-me uma piscadela antes de deixar a sala.

Pisquei de volta. O escritório parecia incompleto sem Heinrich e a tonalidade clara das paredes faziam parecê-lo ainda mais amplo e vazio. Havia uma grande estante ao fundo e um balcão feito de mogno, com duas cadeiras giratórias. A varanda proporcionava uma visão privilegiada das luzes noturnas que coloriam a cidade. Peguei impulso no balcão e girei a cadeira, deixando uma marca de sujeira da sola do meu allstar na madeira recém-polida. Torci para que ninguém percebesse aquilo. Cerrei as pálpebras e minha mente foi inundada por pensamentos invasivos e aleatórios.

– Voltei – apregoou Heinrich, interrompendo meus devaneios. Perguntava-me como não o havia visto chegar ali, já que ele havia passado por mim e já estava sentado em sua cadeira – Como vão os remédios? Algum efeito colateral? Você vem dormindo bem? Alguma variação de peso?

O Pacto - Saga ElísiaOnde histórias criam vida. Descubra agora