Sang

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Acordei com a luz esbranquiçada do sol matinal cegando meus olhos. Com as pálpebras semicerradas, desci da cama e encostei os pés no chão, estremecendo ao perceber o quão frio ele estava. Embora ensolarado durante o dia, as noites de verão onde eu moro sempre têm gosto de gelo.

Despi-me do pijama preguiçosamente e caminhei até o banheiro. Liguei o chuveiro elétrico e um choque percorreu meu corpo, fazendo com que eu me afastasse. A realidade pesou como nunca em meus ombros. Perguntava-me se tudo aquilo havia acontecido realmente, era difícil de acreditar, mas a cicatriz em meu tórax e os respingos de sangue seco amarronzado jaziam silenciosamente no canto, testemunhas do que ocorrera. Desliguei a chave que fornecia energia ao meu quarto e liguei novamente o chuveiro. Encolhi-me e sentei-me na banheira. O frio machucava, beliscando e queimando lentamente até adormecer minha pele a um ponto em que eu nada mais sentia.

"I hear the birds on the summer breeze, I drive fast, I am alone at midnight... I've been trying hard not to get into trouble but I, I've got a war in my mind..." – cantarolar Ride era um alívio para mim, poucas eram as músicas que me traduziam com tanta fidelidade e similaridade – "Eu escuto os pássaros na brisa de verão, eu dirijo rápido, estou sozinha à meia-noite... Venho tentando não me meter em encrenca, mas eu, eu tenho uma guerra em minha mente..."

As notas que saíam da minha boca me mantinham acordada, porém os meus pensamentos estavam à milhas de distância, vagueando entre dissociação e fantasia. Eu me sentia fora do meu corpo, incapaz de dizer quem eu era ou se era verdadeira a minha existência. Aquela era uma sensação familiar e eu tinha certeza de que se pusessem um espelho à minha frente, eu estranharia os traços em minha face. Era como se eu não fosse eu.

– Nynive! – exclamou mamãe, batendo repetidamente na porta do quarto – Nynive!

– Estou tomando banho – respondi em um tom de voz baixo.

– Nynive! – insistiu ela impacientemente.

Era tão ansiosa e tinha os nervos à flor da pele como eu.

– Estou no ba-nho! – reafirmei pausadamente, desta vez mais alto.

– Certo, depois venha comer alguma coisa.

Ignorei e voltei minha atenção para a banheira, analisando cada centímetro do meu corpo e ponderei sobre como seria se todos os toques que minha pele recebesse desenhassem em mim uma tatuagem, um desenho na carne como o que havia entre meus seios. Tanta coisa que me aconteceu, como seria se os outros pudessem ver meu passado, pintado em mim como se pinta uma tela? Uma marca, uma cicatriz, meu corpo tem história...

A água já escorria pelas bordas da banheira, movimento que cessou quando me levantei e desliguei o chuveiro. Enrolei-me em uma toalha e vesti um suéter, que me servia de vestido curto, escolhendo-o com cuidado para que pudesse esconder a queimadura. Calcei uma bota de couro que subia somente até o final do tornozelo e balancei meus cabelos, numa tentativa de secá-los mais rápido. Deixei o quarto e segui para a cozinha, ingerindo o restinho de chocolate que havia no pote. Peguei meu celular, desci as escadas e montei em minha bicicleta, pedalando em direção a uma trilha florestal próxima à casa, que terminava em um belo lago cristalino, rodeado de enormes pinheiros.

A trilha era docemente traçada e estreita; feita de terra batida, cheirava a canela almiscarada. Os pinheiros sombreavam o caminho, fazendo parecer que ainda estava de madrugada. Poucos eram os raios de sol que penetravam através das pequenas frestas entre as coníferas. Pedalei até avistar a superfície serena e escura da água. O silêncio era inquietante. De vez em quando eu podia ouvir um bando de pássaros em coro, mas praticamente não havia som.

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⏰ Última atualização: May 07, 2016 ⏰

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