Meses antes

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Rose sentia cãibra fantasma na perna de metal. Cada balançar da carruagem era uma chacoalhada no corpo da mulher.

Maldita dor que não me larga um segundo.

A mercenária enrolou-se no xale. Pela janela, via-se apenas neblina e matagal. Ela decidiu repassar o telegrama que a havia convocado.

Cara Roselyn Viggs,

Sou o barão Chuma Ogana, arrendatário de duzentos hectares, dono da mina de carvão Lucrecia e proprietário de trezentos e dezenove mutuns.

Uma das minhas propriedades foi infectada por uma terrível praga, um inimigo do próprio deus, um bruxo. Os sintomas das vítimas de feitiçaria são os seguintes: a pessoa começa a ver demônios e criaturas das profundezas e, por fim, a vítima entra em pânico e corre para a floresta. Ela agride todos em seu caminho, até mesmo parentes próximos. Algumas pessoas puderam ser recuperadas depois da fuga, essas estavam desmaiadas e não apresentaram comportamento estranho. O rastro das demais leva a um beco sem saída. Dias depois de seu desaparecimento, os ossos das vítimas surgem em algum lugar do pasto, cercados por cinzas e um círculo demoníaco.

Você foi recomendada pela excelentíssima capitã-donatária, Jaquize Vieira. Segundo ela, é a melhor caçadora de bruxos da capitania São Vicenzze. Portanto, com o objetivo de melhor servir vossa majestade, o rei Henrik III, exijo que elimine esse mal das minhas terras. Caso obtenha sucesso, será recompensada com sessenta moedas de ouro.

Atenciosamente,

Barão Chuma Ogana

Exijo. Ela bufou.

A mercenária orgulhava-se de ser livre. Não tolerava tratamentos desrespeitosos de ninguém, muito menos de homens. Mas aquele caso a interessara. O bruxo que destruiu sua vida era um carniceiro, controlava sangue e ossos. Talvez ali a mulher encontrasse uma pista, ou, com sorte, o próprio diabo.

A carruagem desacelerou até parar. Rose se deparou com uma mansão de madeira no estilo vitumano. Devia ter sido oneroso trazer aquelas janelas de vidro da capital. Foi recebida por uma mulher gorda de pele escura, lábios grossos e cabelo volumoso contido apenas por uma fita. O vestido rosa estava impecável e joias podiam ser observadas nas mãos e orelhas.

A mercenária fez uma reverência.

— Seja bem-vinda, Roselyn Viggs. Sou Pachuna Ogana, filha do barão e responsável por esse engenho.

Alguns homens com coleiras no pescoço cercavam a senhorinha.

Esses escravagistas deviam ter sido eliminados junto com o império vitumano. Na metrópole, o mutunato era proibido. Aqui, nossa capitã donatária não para de engolir o esperma do barão, fica impossível assinar qualquer lei.

— Querida, sinto muito. Igor, pegue as malas da nossa convidada. Acompanhe-me, amada, irei mostrar-lhe seus aposentos — disse Pachuna. — Temo ser eu a dar as notícias. Mas o bruxo, mencionado na carta, foi capturado ontem pela manhã. Iremos purifica-lo esta tarde.

Rose suspirou.

Enquanto as malas eram retiradas da carruagem, um ser aproximou-se. Era esguio, alto e a pele estava bem bronzeada. A ausência de camisa evidenciava um corpo talhado pelo trabalho na roça, suas orelhas estavam carcomidas, como se ele tivesse sido atacado por um animal selvagem, talvez um cachorro.

— Liu? O que faz aqui?

— Guiar melcenália.

— Não Liu, já disse e não vou repetir. Seu lugar é na lavoura. Agora vá!

O Bruxo da Capitania São VicenzzeOnde histórias criam vida. Descubra agora