I- A INVÁLIDA

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Defrontei-me com um cuidadoso jardim, que circundava a frente de uma bela e confortável residência, situada num bairro nobre de uma grande cidade brasileira.

Flores singelas perfumavam a varanda em forma de U, abrigando cadeiras confortáveis, demonstrando ser uma parte da casa admirada por seus moradores.

— Que bom que tenha vindo, Antônio Carlos! Alegro-me e agradeço sua presença. Estava à sua espera, disse Antônia, vindo ao meu encontro.

Antônia me é muito querida. Participamos juntos, por muito tempo, de um trabalho devotado nas enfermarias de um Hospital no Plano Espiritual, onde de interna passou a auxiliar com dedicação, compreendendo os enfermos, lembrando os próprios infortúnios de outrora.

Encontrava-se no momento em missão de caráter particular junto a seus entes queridos. Defrontando-se com um delicado problema, minha amiga pedira meus conselhos e auxílio.

— Sou muito grata aos nossos mentores que permitiram sua presença aqui. Venha, Antônio Carlos, entremos, falou Antônia indicando-me o caminho.

Passamos à sala de estar, ambiente espaçoso, decorado com gosto. Ao lado de uma grande janela, dando vista para o jardim, estava sentada em uma cadeira de rodas uma senhora de agradável semblante. Muito magra, de cabelos encaracolados que caíam aos ombros, olhos verdes tristonhos e expressivos. Olhava distraída para o jardim, rugas profundas marcavam a testa, demonstrando preocupações.

Aproximamo-nos.

— É Ofélia, pessoa boníssima, a quem devo tanto..., esclareceu-me Antônia.

Ofélia saiu do seu torpor suspirando, olhou pela sala certificando estar realmente sozinha, retirou do bolso uma carta e segurou-a contra o peito. Lágrimas doloridas desceram pelas faces pálidas.

— Deve estar com quarenta anos, comentei, observando-a.

— Quarenta e um, esclareceu Antônia. Há onze anos está sem andar nesta cadeira de rodas, após um violento acidente.

Ofélia não nos viu, não era médium, porém, estava com sua intuição aflorada pelos anos de meditação, pela oração sincera e diária e por sua resignação. Bastou Antônia mencionar o acidente para recordá-lo.

Acompanhamos suas lembranças:

"Em uma tarde, saíra a passear com os filhinhos. Os pequenos inquietos tomavam-lhe toda a atenção de mãe extremosa e cuidadosa. Ia orgulhosa de sua família, para ela não havia rebentos mais lindos. Todos arrumados como se fossem a uma festa, chamavam a atenção dos passantes, principalmente à menina que parecia uma boneca com seu vestido de rendas e seu jeitinho dengoso."

Quando, de repente, a caçula escapa-lhe das mãos, indo em direção à rua movimentada.

— Carla! - gritou apavorada, volte!

A menina pareceu nem ouvir, começou a atravessar a rua, Ofélia viu apavorada um carro vindo ao encontro da menina em alta velocidade. Correu atrás da filha, naquele instante só pensou em salvá-la, instintivamente, saltou e empurrou a filha para a calçada. O motorista tudo fez para evitar o acidente, não conseguiu parar a tempo nem ela de evitar o choque com o veículo.

Ofélia sentiu o baque, ouviu o barulho, com esforço procurou a filha, vendo-a de pé a seu lado, perdeu então os sentidos.

Acordou dias após, em um hospital, as lembranças do acidente vieram aos poucos, só se preocupou com as crianças, quis vê-las, quando as viu bem, chorou emocionada, ao ficar a sós orou agradecida e repetia, sempre:

"Obrigado meu Deus, por ter salvado minha filha!"

Quarenta dias ficou em tratamento intensivo, dormindo muito, tinha o corpo quase todo gessado. Ao melhorar, foi para um quarto onde sentiu-se mais forte e tranqüila. Foi então que notou que não sentia as pernas.

Filho AdotivoOnde histórias criam vida. Descubra agora