Marcelo acordou na segunda-feira cedo e saiu rápido que não desse tempo de a esposa perceber seu nervosismo. Nunca escondera nada da companheira. Não queria mentira ela nem falar de suas preocupações. Foi para seu escritório. Para que não desistisse de ir ao encontro e falar com Paulo, ficamos ao seu lado, recordando-lhe do que deveria fazer. Estava agitado, não conseguiu trabalhar, pensava só na adoção. Eram nove horas rumou para o escritório do amigo. "Se tenho que fazer, é melhor que faça logo, falou alto, estou agoniado não consigo esquecer este assunto." Paulo recebeu-o contente, após um abraço, Marcelo pediu:
— Paulo, venho conversar com você, o assunto é sério. Gostaria de que não fóssemos interrompidos.
— Alguma preocupação, Marcelo?
— Julgará por si mesmo.
Paulo deu ordem para a secretária para não ser interrompido. Sentiu-se inquieto, recordando suas próprias preocupações. Antônia e eu ficamos de lado, observando-os, escutando a conversa e prontos para interferir se necessário para melhor esclarecimento, porém não foi necessário.
— Estamos a sós, Marcelo, dispõe de mim, disse Paulo diante do silêncio do amigo.
— É meu amigo, não é, Paulo?
— Sou, sabe que sou, e tenho o enorme prazer de sê-lo. Gosto muito de você, mas está preocupando-me, seja o que for, conte-me logo.
— Dá-me sua palavra de que não falará sobre o que direi ninguém. Guardará segredo do que ouvir? Não que duvide de você, é importante para eu ter sua palavra.
— Tem minha palavra, guardarei segredo.
Marcelo suspirou, sentou-se na cadeira ao lado de Paulo.
— É melhor para que entenda começar do início. Quando casei, foi naquele tempo em que estivemos distanciados, foi na mesma época em que você também se casou. Estava apaixonado e feliz após uns meses vi ameaçada minha felicidade, não conseguíamos ter filhos, Helena não ficava grávida.
Marcelo fez uma pausa; Paulo que achara exagero a preocupação de Marcelo, pois achara que este viera falar de negócios, endireitou-se na cadeira, sentiu um estranho pressentimento, prestou mais atenção ao amigo, que continuou.
— Médicos foram consultados e nada, três anos se passaram e Helena parecia obcecada, só pensava em ter filhos. Aí, ficou grávida para nossa alegria. Mas, antes de completar o quinto mês de gestação, a gravidez foi interrompida e perdemos o nenê. Foi um período difícil para nós, começamos a brigar, a nos ofender. Porém Helena logo após engravidou novamente. Estava nervosa e temia perder a criança, eu fazia tudo o que podia para acalmá-la, mas também sentia medo. Sentia que se não desse certo, íamos acabar nos separando. Meus sogros naquela época moravam no interior de São Paulo. Meu sogro tinha um emprego que o fazia mudar muito de cidade. Helena no quarto mês de gravidez quis ficar com a mãe. O médico dela achou boa a idéia, porque lá era uma cidade calma, de clima bom. Concordei também, porque minha sogra, pessoa boníssima, tinha o dom de acalmar a filha. Assim, Helena foi para a casa dos pais, voltaria assim que a criança nascesse. Helena gostou da cidade, tudo corria bem, ia vê-la de quinze em quinze dias. Estando Helena no sexto mês de gravidez, e bem, nossas esperanças aumentaram. Estando na época de vê-la, fui feliz, porém, ao ver meus sogros esperando-me, senti um pressentimento triste. Contaram-me então que há três dias nosso bebê tinha nascido morto. Que Helena estava fisicamente bem, mas, moralmente abalada e tristíssima. Fora ela quem não deixou que me avisassem. Helena sofreu muito, não conversou comigo, não conversava com ninguém, chorei de pena ao vê-la tão abatida e desarrumada. Agradei-a, parecia nem notar-me. Ficava parada, com o olhar longe, pensativa, recusava-se a se alimentar. Só dormia com um calmante receitado pelo médico. No dia seguinte cedo, minha sogra veio acordar-me,cuidadosamente para não acordar a filha, conduziu-me à sala e disse baixinho: "Marcelo, tem no hospital uma orfãzinha. Nasceu esta noite, é branca, perfeita, miudinha, a mãe indigente, morreu ao tê-la. Vão doá-la." "Dona Etelvina! Acho que é uma solução. Vamos buscá-la." Assim, em dez minutos, estávamos meus sogros e eu no hospital. Quis primeiramente conversar com o médico que atendera Helena. Por sorte, encontramo-lo e ele nos atendeu logo. Explicou-nos o facultativo que Helena não poderia ser mãe, não engravidaria mais.
— Ah! Paulo! Como me lembro de tudo, o tempo passou, lembranças ficaram.
Marcelo deu um suspiro triste e continuou:
— A madre encarregada da direção do hospital escutou nosso pedido e nos disse: "A mãe do nenê não estava doente, só fraca, sofreu muitoe a criança não tinha pai ou, segundo ela, tinha, mas abandonou-a. Contou-me que não tinha ninguém, que era sozinha. Morreu e a menina é um amor." "Dá-nos a criança, por favor, pedi. Helena enlouquece, não poderá mais ter filhos. A menina será nossa, cuidaremos dela com todo amor." "Acredito que sim, falou-nos a madre. Conheci sua esposa, entendo seu sofrimento, sei de sua vontade de ser mãe. Gostei de vocês, sei que são pessoas boas. Sempre procuro resolver os problemas facilitando-os. Aqui temos uma orfãzinha necessitada de carinho e pais, e vocês querendo um filho. Certo seria ir ao juizado, fazer a adoção, mas, tudo isso demora e nesta espera a menina ficaria órfã. Vou dar a criança a vocês, porque sinto que é como filha que a recebem. Preencham esta ficha com o nome Sra. D.Etelvina e esposo, que residem nesta cidade e podem levá-la."
— Duas horas depois, voltei com a menina nos braços, entrei no quarto. Helena estava parada, olhando para o nada. Mostrei a menina a ela. "A mãe dela morreu Helena, como nosso nenê, ela estava sozinha, não tem ninguém. A madre nos deu, é nossa agora. Quer vê-la?" Helena sentou-se na cama, olhou a criança, pegou-a, desenrolou-a.
— É linda, - exclamou - Ela é nossa? Verdade? Meu Deus, que bom! Agora sou mãe, não é Marcelo?
— A menina pôs-se a chorar. Como um milagre, Helena levantou-se e foi cuidar dela, embalou-a e ela parou de chorar. Deu-lhe banho, colocou as roupinhas que tinha preparado para enxoval do nosso bebê, alimentou-a. Helena, em poucos instantes, tornou-se alegre, alimentou-se,voltou à vida. Chorei de emoção, amava Helena e passei a amar a menina como minha. Helena, agora calma e arrumada, disse-me. "Marcelo, fiz uma promessa a Nossa Senhora da Aparecida, pedindo a ela um filho. É Deus que dá filhos às pessoas, não é? Foi pela vontade de Deus que esta menina veio até nós. Quero dar-lhe o nome, cumprindo meu voto, de Maria Aparecida, você concorda?" "Claro, Helena, será nossa Cidinha." "Marcelo, sei que ela não é de nossa carne. Mas, será como se fosse, não é? Se não contarmos a ninguém, ninguém saberá. Todos, amigos e familiares, sabem que estou grávida. Podemos dizer que Cidinha nasceu de sete meses."
— Foi o que fizemos, alegremente, disse a todos, que Cidinha nascera de sete meses. Um mês após, meus Sogros trouxeram Helena e a menina. Ninguém duvidou, Cidinha era miúda, mas forte, com imenso cuidado e carinho de Helena, logo era um bebê robusto. Passamos a viver em paz e harmonia, meus sogros mudaram de cidade e nunca mais voltamos lá. Depois eles faleceram e somente Helena e eu sabemos deste fato. E, se ela souber que lhe contei, brigará comigo. Mas como Caio vai casar-se com Cidinha, senti uma necessidade, uma aflição, para contar-lhe tudo. Sei que não muda nada e...
Marcelo conservava a cabeça baixa enquanto narrava, brincava com a chave de seu carro, levantou a cabeça e olhou para Paulo, este escutava o amigo aflito, suava, estava branco, olhava-o com espanto:
— Paulo! - exclamou Marcelo sentido - Que tem? Abalou-se com meu segredo? Vai me dizer que isto importa a você? Não irá querer mais o casamento dos meninos? Eu...
Paulo começou a chorar, Marcelo assustou-se, levantou-se, chegou mais perto do amigo, colocou a mão em seu ombro.
— Puxa Paulo, como você é emotivo!
Rápido, Marcelo pegou um copo de água e trouxe para Paulo, que tomou, esforçou para acalmar-se, após uns minutos, disse:
— Marcelo, não sabe o que significou para mim, ouvi-lo. Há tantos anos somos amigos, desde garotos, houve uma época em que estivemos distanciados e nesse tempo, tantas coisas aconteceram. Contou-me um segredo, agradeço tudo me leva a crer que foi inspirado a contar-me. Escuta-me agora, também tenho segredo, não menor que o seu.
Paulo fez uma pausa, com voz lenta, começou a falar:
— Como você sabe, sou filho único, meus pais queriam ver-me casado jovem ainda, só que com a moça que escolhessem. Apaixonei-me por Ofélia, moça de família pobre, sem estudos, uma balconista, meus pais foram contra. Sempre quis muito bem a eles, mas não abri mão do que queria. Dei-lhes um tremendo desgosto quando casei. Como você, tive problemas para ter filhos. Ofélia não engravidava meus pais querendo netos, cobrava-nos e começamos Ofélia e eu, a desentendermo-nos. Não fui forte e honesto como você. Apesar de amar minha esposa, cedi ao encanto de uma jovem empregada de meus pais e ela engravidou. Levei um choque ao saber, temi as conseqüências, mas como sempre fazia todas as minhas dificuldades meu pai resolvia, daquela vez, embora temeroso, recorri a ele. Meu pai ouviu-me, não ralhou comigo, achou uma solução para meu alívio. Neto para ele era meu filho, tanto fazia se viesse de minha esposa ou amante. Ele pensou e arrumou tudo. Levou a moça para a fazenda, onde foi tratada muito bem e lá teve a criança. Como foi combinado, meu pai deu-lhe uma boa quantia em dinheiro e ela partiu deixando o filho. No dia do nascimento do menino, meu pai, à noite, trouxe-o para a cidade, deixando-o na porta de minha casa. Eu sabia e esperei-o ansioso. Tudo deu certo, Ofélia amou-o assim que o viu, e nunca soube da verdade. Esta criança, Marcelo, é Caio meu filho mais velho. Logo depois, nasceram Sérgio e Carla.
— Que interessante! - riu Marcelo, cada um dos garotos com um segredo. Contei-lhe o meu, hesitei, pensei tanto, sofri na incerteza se deveria fazê-lo ou não. Você contoume o seu, guardaremos segredo e, não muda nada.
— Marcelo, sabe como se chamava a mãe de Cidinha? — Não.
— Acho amigo, penso que muitas coisas vão mudar. Meu Deus! Tomara que esteja errado.
— Mudar? Como? Por quê?
— Escuta-me. A mãe de Caio partiu com um ex empregado da fazenda. Mais tarde, ficamos sabendo que falecera numa cidade do interior de São Paulo. E, se não estou enganado, é esta que citou, onde Cidinha nasceu. Marcelo há tempo que acho Cidinha parecida com alguém. E, por um sonho, descobri quem era. Sim, sonhei com a mãe de Caio, e é com ela que Cidinha se parece. Esta semelhança deixou-me preocupado e nervoso, sem explicação. Calculando datas, Antônia, a mãe de Caio, deveter morrido na época em que Cidinha nasceu. Lembro agora, que um primo de Antônia, descobriu que ela morreu e não contou para os pais dela. Ficamos com dó, mas, para meus pais e eu, foi um alívio, pois temíamos ser chantageados.
— Que tenta dizer-me, Paulo! Semelhantes? Tem certeza? São realmente parecidas?
— Sim, são. Sinto muito, Marcelo. Acontecimentos do passado, que julgava para sempre enterrados, vêm à tona. Nunca percebeu que Cidinha e Caio têm traços parecidos? A cor dos cabelos, a boca, o jeito...
— Meu Deus! Seria cruel demais. Será que essa Antônia é a mãe de Caio e de Cidinha? É isto que está lhe ocorrendo?
— É, Marcelo. A semelhança intrigava-me, mas, nunca pensei que Cidinha fosse adotiva, agora desconfio que sejam irmãos.
— E se forem? Terão que se separar. Que faremos?
— O melhor é descobrir a verdade. Talvez não sejam aí esqueceremos o assunto, como se esquece um pesadelo. Se forem realmente irmãos...
Silenciaram. Cada qual voltou o pensamento para seu filho, no sofrimento que teria.
— Estas desconfianças devem ficar entre nós, Paulo. Até descobrirmos a verdade.
— Concordo. E se for verdadeiro, nós dois resolveremos o que fazer, por hora, basta só nós dois sabermos.
— O melhor é ir investigar na cidade onde Cidinha nasceu e tentar obter dados de sua mãe. Vou até lá e tentarei descobrir tudo.
— Se o nome da mulher que morreu for Antônia S.C., são irmãos.
— Que tristeza! Acho que vou logo.
— Estamos agoniados, Marcelo, melhor mesmo é descobrir logo. Abraçaram-se.
— Telefono a você, Paulo. Vou ainda esta semana. Se Deus quiser, descobrirei tudo. Marcelo foi para seu escritório aflito, a suspeita agoniava-o mais ainda. Resolveu ir na quarta-feira bem cedo, passou a trabalhar com furor, acertando o que tinha de mais urgência. Durante o almoço, disse à esposa:
— Helena, vou a São Paulo na quarta, arrume minha mala, devo ficar de dois a três dias, vou...
— Está bem, querido, vai a negócios. Paulo ficou preocupadíssimo, não foi almoçar em casa, desculpou-se e não encontrou com o filho. Caio não viera trabalhar para esperar as tias.
— Que boa ocasião para elas virem, - exclamou, com movimentação em casa não notarão minha preocupação. À tarde pediu para a secretária comprar flores e levou-as para as cunhadas. A casa de Ofélia estava animada, todos falavam alegres. Paulo chegou, abraçou as cunhadas e deu-lhes as flores, dizendo que eram bem-vindas. Ofélia sorriu contente com agentileza do marido. Zélia tinha o aspecto cansado e doentio. Paulo observou Rosa, os anos, pensou ele, não a mudaram muito, estava linda, meiga e tímida. Rosa, ao sentir-se observada pelo antigo namorado corou por segundos e seu coração bateu forte. Acompanhamos o pensamento de Rosa: "Paulo continua o mesmo, está muito bem. Como sofri por ele, vendo-o vem à dúvida: será que realmente o esqueci? Não posso amá-lo, Deus me ajudará, é marido de minha irmã, recebeu-nos tão bem. Se não fosse por Zélia, não voltaria, mas, como tratá-la? Ela está doente...".
— Paulo, - chamou Ofélia, despertando Rosa de seus pensamentos, ajuda-me a convencer minhas irmãs, quero que faça exames médicos, vão ao dentista e...
— E que comprem roupas novas e bonitas intrometeu-se Carla alegre, eu as levarei ás lojas. — Elas não querem, - finalizou Ofélia.
— Não queremos dar trabalho e... - disse Zélia.
— Aqui, senhoras, - disse Paulo, — Ofélia manda e é obedecida. Ela tem razão, parece-me cansada Zélia, e se negarem este favor a Carla, de lhes mostrar as lojas, a menina tem um ataque. Todos riram. Por favor, cunhadas, fiquem à vontade, nossa casa é também de vocês. Esperamos que fiquem em definitivo conosco. Alegro-me que estejam aqui e de ver Ofélia tão feliz. Não prestaram mais atenção nele, sentiu-se aliviado porbisto. Procurou ser gentil e fingiu estar alegre. As irmãs conversavam sem parar e os adolescentes queriam participar saber do passado das tias. Paulo sentia-se culpado. Se voltasse ao passado não iria repetir o erro. Caio teria vindo como filho deles, era só ter paciência. E não estaria agora com este problema que o afligia. Agradar à esposa era uma necessidade, amenizava um pouco o remorso que sentia. Os dias na casa de Paulo foram de alegria e animação; para ele, foram de agonia, esperando o regresso de Marcelo.
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Filho Adotivo
SpiritualO drama de dois irmãos que, sem saberem, namoram e desejam se casar; e a aflição da mãe, já desencarnada, por alertá-los contra o perigo. Espíritos amigos entram em ação e tecem uma verdadeira lição de carinho e fraternidade