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"E eu me encontrei lembrando / De te manter longe de mim / E há uma tempestade que você está começando agora / Halsey - Hurricane."

A l e x i s B e r l u s c o n i

O restaurante está cheio. Do balcão posso ter clara visão das pessoas se locomovendo e sorrindo em suas mesas, saboreando o refinado vinho tinto e conversando um assunto qualquer. A freguesia sempre está aumentando. O restaurante Berlusconi é realmente um local de respeito e tradição.

Orgulho-me muito em fazer parte dessa equipe que compõe toda uma história, apesar dos idiotas na minha escola não saberem valorizar e enxergar isso com os mesmos olhos que eu. O fato de meu pai ter formado uma família tanto peculiar, atraí olhares e comentários fúteis, dignos de pessoas que não aceitam os outros.

E tão infelizes são eles que se opõem a forma de liberdade de expressão das pessoas só porque não conseguem evoluir junto com os séculos.

Ascoli Berlusconi, um dos homens mais honestos que já vi em toda a vida. O cara que me tirou do orfanato e me deu uma família, afeto, meu pai.

O fato dele ser gay, ter uma filha adotiva, viúvo e respeitado mundialmente pela a arte na gastronomia atraí olhares que não gosto nem de recordar. É repugnante demais.

_Mamma mia! O que ainda faz aqui, Alexis? - meu pai pergunta, seu tom é embaraçado e confuso de se entender. Com 35 anos no Canadá, Ascoli ainda não conseguiu se livrar de suas origens na Itália e do seu sotaque.

Reparando bem percebe-se que seu avental estava sujo de molho de tomate e seus óculos de grau com resíduos de trigo.

Eu sorrio ao notar sua preocupação desnecessária por mim, depois suspiro.

_Não se preocupa, estou aqui para ajudar - assegurei com o olhar fixo no seu.

Meu pai era baixinho, tanto roliço, careca, tinha bigode grisalho e olhos muito azuis.

_Eu tenho dezenas de funcionários de plantão, você precisa ir para casa descansar. Amanhã tem aula esqueceu-se? - seu olhar duro surtiu quase como uma repreensão.

Na escola eu ia muito mal, desde que descobri o quanto o ser humano pode ser perverso quando quer, eu nunca mais fui uma garota normal. Na verdade eu sempre fui estranha. Nunca fiz amigos, mas também não sinto falta deles.

Sou declaradamente antisocial.
Pessoas me enojam, principalmente as da minha escola. Por mim eu nem iria para aquele inferno, mas como estou no meu último ano não posso desistir, não agora.

_Ok, Sr. Berlusconi, você venceu. - sorri sem muito mostrar os dentes, dei-lhe um beijo na bochecha.

Eu adorava ficar no restaurante, por mais que não falasse com ninguém ou mantivesse contato afetivo com os funcionários e clientes, esse ainda assim era o meu lugar favorito.

Em casa a solidão era total. Apenas eu, meu pai e a Dulci, a antiga empregada e também minha babá quando criança. Hoje ela é uma espécie de governanta, põe ordem na casa e é uma das pouquíssimas pessoas com quem me relaciono.

Despedir-me de meu pai - sabia que ele ainda demoraria até chegar em casa, nos domingos o movimento era mais intenso. Então segui rumo a saída dos fundos, não gostava de chamar a atenção e meu pai dizia que minhas roupas e personalidade forte assustava os clientes.

Ri-me ao pensar nisso.

A porta dos fundos dava para uma calçada e da calçada uma rua com precariedade na iluminação. Consegui tirar a carteira de motorista no ano antecessor a esse, tinha 16 anos e ainda me pergunto às vezes como consegui passar nos testes tanto em prática como em teórica.

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