"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro.
E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."
(Friedrich Nietzsche)
10 de outubro de 1809
-Erga-se, meu arcanjo! -A estranha voz ecoava. Sebastian se esforçava para esquecê-la, mas esta vinha como uma bomba em sua cabeça.
-O que você fez comigo?! O que aconteceu com as minhas asas? -Disse, enquanto tentava, falhamente, se levantar.
-Não era esse o acordo, garoto? Não foi isso que pediu? Só fiz alguns ajustes em você.
-Você é um monstro!
-Olha quem está falando... Tudo tem um preço. Você, mais do que qualquer um, deveria saber disso, Sebastian.
***
Dias atuais...
-Então, cara misterioso... -Tentei começar algum diálogo com Sebastian. Ele parecia o tipo de irmão protetor. Cada barulho que ouvia, pedia para pararmos e ficarmos atrás dele -Você é um habitante daqui?
-Essa foi a pergunta mais inútil que eu já ouvi -A menininha revirou os olhos, enquanto mordia um pedaço da maçã que o garoto pegara pra ela.
-Lydia, meu amor -Sebastian virou e se abaixou para ficar do mesmo tamanho que ela. Ele pousou, levemente, seus dedos sobre a bochecha da menina -Vai pegar o arco e as minhas flechas, ok? Você pode fazer isso pra mim?
-Uhum.
-Boa menina. -Ele implantou um beijo na sua testa. Fiquei encantada com a suavidade de sua voz e com a calma que falou com ela.
-Nossa... isso foi incrível! -Indaguei.
-O quê? A minha capacidade de afastar crianças? -Ele sorriu.
-Seu jeito de falar. Sempre foi assim? -Ele parou. Acho que não tinha apreciado minha pergunta. Ficou olhando para o chão, como se esse fosse me responder. Esperei por uma resposta que não veio muito cedo.
-Não. Agora vamos. -Respondeu, rispidamente, para o meu desagrado. Ele era mais misterioso do que eu pensava.
Lydia tinha voltado com o pedido de Sebastian. Enquanto andávamos, ele explicou que na verdade, era um arcanjo, uma classe superior aos anjos, mas que viviam em paz com estes.
-O que vai fazer agora? -Lydia ficou atrás de mim. Acho que estava com medo do que nosso acompanhante fosse fazer.
-Não se preocupe, criança. -Falou, pondo uma flecha encostada ao arco, que já estava com a corda esticada. Ela apontava para um alce -Só vou pegar algo pra Lizzie e eu comermos.
-Espera, eu nunca concordei com isso! Sou vegetariana! -Protestei, segurando a mão dele.
-Você vai gostar do sabor. Além do mais, algumas frutas desse mundo são letais. Não são nenhum problema para os guardiões ou habitantes daqui, mas para os outros... bem, nem queira pensar nos estragos.
-Hm... não custa nada tentar. -O garoto conseguiu acertar o alvo. Corremos até o pobre animal. Assim como tudo ao meu redor, ele não parecia real. Tinha a pelagem um pouco esverdeada e olhos negros que pareciam adentrar na alma.
Bizarro.
O dia passou muito rapidamente. Quando menos esperei, já havia chegado a noite. Acendemos uma fogueira e mordiscamos a carne, já assada, do alce.
-Liza, quero que me faça um favor. -Disse o arcanjo.
-Pode falar. -Lambia meus dedos, sujos com o resto do bicho. Era incrivelmente bom.
-Vá dormir. -Sebastian sussurrou, me deixando assustada.
-Eu não estou com-
-Isso não é um pedido. -Lydia não se importou em ser direta e intrometida como sempre. Parece que já sabia o motivo. Não entendi. Nos tornamos amigos e agora ele quer ser o chefe? Quer me dar ordens, como se tivesse algum poder sobre mim?
-Como é que é?
-Lizzie -Ele se aproximou. Ficou a poucos centímetros do meu rosto. Pude sentir o cheiro do seu cabelo. Era sândalo -Vá dormir. -Sua voz me acalmou.
Sebastian tinha uma harpa. Não sei como conseguiu esconder o instrumento musical de mim, mas não era tão grande.
Fui conduzida pela flácida e inocente melodia, tocada por ele -lembrei que dissera algo sobre os anjos musicais e querubins e o quão talentosos eram.
Minhas pálpebras voltaram a pesar, traindo-me novamente. Tentei abrir os meus olhos, mas como num feitiço, estava presa.
***
Meus olhos finalmente me obedeceram. Consegui abri-los, lentamente e tudo o que vi foi desordem, destruição, caos. Sombras.
Estava prestes a desmaiar, como se isso fizesse parte de mim. Mas antes, disso, ainda pude ver o meu redor. Havia um anjo arqueiro na minha frente que me protegia. Um anjo com asas de metal.
***
|Mikael|
-Mikael!
-Lizzie! Onde você está?-Escutei uma voz na minha cabeça. Era a garota.
-Me salve! Me ajude!
Rapidamente, me levantei. Estava suado e ofegante. Acho que acabei chamando a atenção dos outros que estavam dormindo.
-M? O que aconteceu? -Bella perguntou, sonolenta -Qual é o problema?
-Eu sei onde a Lizzie está. -Noah pulou quando ouviu o nome da menina. Ele parecia feliz e preocupado, ao mesmo tempo.
-Isso é algum tipo de brincadeira? -Ele me encarou -Como podemos confiar na pessoa que perdeu a minha melhor amiga?
-Eu não iria brincar numa situação dessas, garoto! -Fui em direção a uma rocha e subi nela -Escutem, idiotas... e Bella. A Lizzie está em perigo.
-Quem não estaria, nesse lugar? -Dessa vez foi Ícaro. Ele tinha acabado de acordar, assim como os outros.
-E como você sabe, M?
-Eu tive um sonho, Harvey. Eu sei que parece idiota, mas eu sinto que eu sei o que está acontecendo.
-Ah, claro! Você sabe, sim. Além de ser irresponsável, é um louco que fica tendo sonhos que acredita ser reais! -Noah continuou, sem ter medo de qualquer coisa. Tinha um tom de coragem na sua voz.
-Por favor, senhor Oliver-Harvey pediu -Se ele está dizendo algo, é porque tem algum significado.
-Ou não... -Insistiu. Dessa vez, fiz questão de ignorá-lo. Seria uma perda de tempo discutir agora.
-Enfim... a pior parte desse sonho não foi porque ela gritava,o que eu não tinha mencionado pra vocês, por sinal, mas nele... eu vi um par de asas.
-Acho que pode ser Sebastian. -John concluiu, ainda nervoso.
-Temos que ajudá-la, então. Se vocês dizem que esse cara é perigoso, Lizzie não deve ficar perto dele.
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O Quarto dos sonhos
FantasyElizabeth Bittencourt era uma adolescente normal. Tinha acabado de se mudar da Inglaterra para Nova York e começou a se adaptar ao novo ambiente. De repente, "Lizzie" conhece alguém misterioso. Que ninguém mais consegue ver. Algo também acontece qu...