II - Quentão

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II - Quentão



— Não! Não pode ser — Lucas riu, colocando mais um pinhão dentro de sua boca enquanto sorria em minha direção — você tem que estar brincando comigo.

— Não estou, vou fazer engenharia na UFSC — eu peguei meu celular e rolei os e-mails para baixo, procurando aquele que estava escrito que eu havia passado no vestibular.

— Tem certeza que não está me perseguindo? — ele provocou-me e eu aceitei.

— Como posso perseguir alguém que mal conheço? — eu bati em seu ombro e me inclinei em sua direção.

Ficamos em silêncio um pouco, apenas nos deliciando com pinhão e quentão, uma combinação que ele me disse que seria parte da minha vida sulista.

Lucas era uma pessoa legal. Ele realmente era, mas, por algum motivo, eu não queria dar o meu telefone a ele. Não era como se eu nunca tivesse feito isso antes, mas, naquele momento, não me parecia ser certo, ou a hora certa, ou o momento. Não sei, poderia ser apenas besteira minha e eu perderia a oportunidade de sair com um cara maravilhoso, ou eu poderia estar certa e algo me mostrar que não era para eu ter dado meu telefone a ele.

— Leninhaaa! — ouvi Bruna me chamar e olhei em sua direção — vamos, Gustavo conseguiu uma carona para nós.

— Conseguiu? — eu perguntei, saltando da cadeira — como?

— Não perguntei! — ela sorriu e começou a ir embora — vamos antes que fique insuportável de entrar na Festa!

Eu me virei para Lucas para me despedir e notei a ansiedade em seu olhar, como se ele ainda estivesse esperando os nove números que eu não queria revelar, então pensei em outra coisa...

— Se quiser, vamos na Festa Junina do Pinheiros hoje, eu serei a garota de vestido vermelho — beijei sua bochecha, deixei todos os meus cinco reais em fichas na mesa e fui embora, sem dar tempo para que ele perguntasse algo a mais.

Corri para alcançar meus amigos e Bruna me enlaçou em um abraço.

— Quem era aquele pedaço de carne? — ela olhou para trás, mas já havíamos saído do arraial da igreja, então ela não conseguiria mais vê-lo.

— Lucas, um cara que eu conheci na barraca da bebida — eu dei de ombros.

— Por que eu nunca conheço um cara na barraca da bebida? — ela fez um beicinho e eu passei meu braço ao redor do seu pescoço.

— Porque você está sempre rodeada deles — eu retruquei e ela me deu um tapa no ombro.

— Vamos, temos que arrumar nossos cabelos e maquiagem.

Eu sorri e concordei, pois era isso o que Bruna esperava de mim, uma parceira, uma amiga, uma confidente e eu sentiria tanta falta desta garota que meu coração já estava se comprimindo de saudade!

— Promete que não vai me esquecer? — eu pedi, mesmo sabendo que, infelizmente, o tempo iria nos separar, pois era isso o que o tempo sempre fazia.

— Como se fosse possível esquecer Leninha.

Trinta e sete minutos depois, nós duas estávamos no carro de um amigo de Gustavo, rumo à Festa Junina.

Vinte minutos depois, nós já estávamos dentro da festa.

Dez minutos depois, eu havia sido trocada por dois braços musculosos e um sotaque caipira que apenas em uma festa junina você ouvia. Não que eu esteja julgando, pois, pelo que eu sabia, se a situação fosse contrária, eu tenho certeza que também escolheria os beijos — eu acho.

Dois minutos depois, eu senti uma mão sobre meu braço e virei para cumprimentar o amigo que tivesse me reconhecido em meio a tantos corpos e rostos.

Não era um amigo, era Lucas.

— Você não está de vermelho — ele usou a voz acusatória, porém havia um vestígio de risada em seus lábios.

Não, eu não estava, pois o Pedro derrubou quentão em meu vestido e eu havia roubado sua camisa xadrez azul.

— Acidentes de percurso, então eu tive que improvisar — eu segurei a saia do meu vestido vermelho para que ele percebesse que eu não o havia enganado.

— Gostei desta cor — ele me elogiou, com os lábios perto de meu ouvido.

— Obrigada — eu respondi, sentindo a mão dele brincando e hesitando em encostar em minha cintura — você veio — eu constatei, tardiamente.

— Uma garota me convidou — ele deu de ombros, sorriso brilhante no olhar.

— Tanto trabalho por uma garota? — indaguei, fingindo incredulidade.

— Sabe como é, tem umas que valem a pena.

E depois disso nossos lábios se encontraram, em um contato brusco e apressado, pois nunca mais nos veríamos.

Não é?

♤♡◇♧☆

— Você não tem o telefone dele, mas tem o facebook? — Bruna me perguntou no dia seguinte, assim que eu aceitei Lucas Valente como meu amigo.

— Ele é só um cara bonitinho, não tem nada demais — eu dei de ombros, planejando qual festa junina iríamos — o que acha da festa do nosso antigo colégio?

— Nostalgia? Legal — mas ela não parecia muito animada.

— O que quer fazer? — eu indaguei, colocando a mão em minha cabeça e evitando a luz do quarto, ainda sentindo meus ouvidos explodindo da música da noite anterior.

— Bem, sabe o Matheus? — os olhos dela brilharam.

— O amigo do seu ex? — eu cruzei meus braços, esperando pela notícia.

— Não me olhe desse jeito, foi só uma vez — ela bateu seus cílios.

— Uma vez, ela diz — eu disse indiferente, porém sarcástica — não significou nada, ele disse. Foi só uma noite, eles me explicaram — recebi um travesseiro no rosto e comecei a rir — sabe que eu ainda te amo, não sabe?

— Não tem mais nada entre nós — ela revirou seus olhos.

Eu sorri, percebendo que acertei seu ponto fraco e disse:

— Você estava dizendo algo sobre Matheus, o que era?

— Ele disse que vai fazer uma festa junina hoje, vamos? — ela analisou vários esmaltes, escolhendo um.

— Victor estará lá? — eu questionei, sem esconder o que eu sentia.

— Não, Victor está visitando a mãe em Brasília, mas você não deveria ser tão dura com o rapaz, ele só estava apaixonado — ela riu como sempre ri quando falávamos dele.

— Se por apaixonado você quer dizer obcecado, então sim, ele estava perdidamente apaixonado por mim.

Nós duas rimos e eu me joguei em sua cama, percebendo o quanto eu sentiria falta daquele quarto, que foi meu refúgio durante tantos dias e tantos momentos. Ele foi um esconderijo quando briguei com minha mãe sobre a faculdade. Ele foi um templo quanto eu precisei esvaziar minha mente pós-vestibulares. Ele foi um salão de beleza antes de festas. Ele foi um quadro quando Bruna o quis reformar. Ele foi auditório quando descobrimos os vizinhos curiosos do bloco da frente... Ele foi parte de minha vida e agora não seria mais.

Não falamos do inevitável. Das nossas mudanças, porém sentimos o peso do futuro e nossos ombros, por isso colocamos mais um sorriso no rosto e demos as mãos, apreciando nossos segundinhos preciosos.

Arraial da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora