Os galhos e cipós cresceram e começaram a fechar o peito como se tecessem uma rede de proteção, trançando os fios um a um. Em todas as outras partes danificadas do corpo ocorreu o mesmo, fechando as feridas e lacerações, remendando pouco a pouco aquele corpo esquálido. Enquanto isso, a cor roxa sumia da pele, dando lugar ao claro tom que antes lhe pertencia.
As raízes aderiram à pele como veias externas, folhas pequeninas e finos cipós cobriram parte do rosto e pescoço. As unhas se transformaram em garras resistentes e compridas, os cabelos loiros ficaram esverdeados nas pontas como se fossem feitos de musgo.
Num súbito ato, a garota puxou o ar para os pulmões. Suas mãos se agarraram à mesa de pedra, e a seguraram com tal força que o material se desfez em seus dedos. Ela se sentou de supetão, e ofegando abriu os olhos azuis brilhantes como as estrelas. Seus dentes estavam mais pontudos, mas mal se notava.
Ela parecia confusa, como se soubesse que não devia estar ali. Observou seus próprios braços, agora formados de galhos e cipós, e abraçou o corpo nu. O feiticeiro segurou seus ombros, de forma que a tranquilizasse.
-Está tudo bem, minha cara.
A jovem moça ainda tremia, mas se levantou da mesa mesmo assim. No momento que tocou o chão, ela sentiu a força da terra lhe atravessar. Folhas negras cresceram e lhe cobriram o corpo. Uma rajada de vento transpassou a clareira, apagando a maioria das tochas.
Ao seu lado, o velho se ajoelhou, fazendo uma reverência em respeito, afinal, Celise ainda era a princesa. Todas as criaturas seguiram o ato, uma a uma percebendo a magia da líder. Ela se abaixou e ajudou o feiticeiro a se levantar, e notando o corte na mão do homem, passou a sua própria por cima, e o ferimento se fechou quase que instantaneamente.
-É você - afirmou - você é a nossa salvação.
Sob a luz da manhã, Celise ainda tentava se adaptar. Não era natural, sabia. Brincava fazendo rastros de fogo com o dedo no chão ao lado de um riacho, tão distraída que sequer notou o soldado se aproximar. Quando sua presença foi sentida, ela se levantou assustada.
-Perdoe se a assustei. Vim ver se estava bem, princesa.
-Tão bem quanto poderia - foi a resposta.
Ela se abaixou e coletou um punhado de água nas mãos, indo próximo ao homem. Abriu as mãos lentamente e a água não escorreu, apenas pairou no ar como uma bolha pequena e disforme. O efeito durou poucos segundos e a água caiu.
-O velho disse que estou diferente. Não era necessário. As coisas que eu sinto não são comuns.
-O que sente?
-Se eu caminhasse pela floresta, eu sentia o vento, o cheiro das folhas e flores. Agora eu sinto esse poder o tempo todo. Sinto a vida dentro de cada árvore, de cada animal. Sinto a vida dentro de você - respondeu tocando a placa do peito da armadura, as unhas fazendo barulho ao roçar no metal.
Celise respirou fundo, uma brisa bateu, folhas caíram, a correnteza do riacho se intensificou. Ela se afastou.
-A mistura das espécies - esclareceu - Ele disse que seria assim. Todas as forças e nenhuma fraqueza. A magia do sangue dele intensificou os efeitos.
-Por que eu? - questionou.
-Tinha que ser você - ouviu-se a voz do feiticeiro e ele surgiu dentre as árvores - Uma pessoa morta por feitiço de sangue é a única que pode retornar. Magia é uma coisa perigosa - comentou com um sorriso - E quanto mais poderoso o feitiço, mais alto o preço a ser pago. Muriel tem um débito alto demais, por assim dizer. A natureza requer um equilíbrio.
-Como eu ter voltado pode ser algo equilibrado?
-Você tem um papel a cumprir, certamente. Fazer justiça às atrocidades da Rainha Negra. Estamos aqui para tornar você a criatura mais poderosa que já existiu.

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Magia de Sangue
FantasySahran vivia seus melhores dias, até que uma tirana feiticeira assume o trono. As criaturas existentes no reino sofrem com a sede de sangue da monarca. Os sobreviventes depositam suas esperanças nas promessas de um velho feiticeiro, num ato desesper...