Ao longe, trombetas soavam anunciando o ataque. A população ainda residente ao redor do castelo não recuou diante disso, apesar da fisionomia sobrenatural da princesa, todos a reconheceram e entenderam o que estava acontecendo ali. Conforme se aproximavam, os guerreiros do castelo se posicionavam para suportar o ataque ou fugiam. Para alguns, o medo da rainha era mais forte que o medo da morte.
Orcs e fadas negras investiram contra o exército remanescente, abrindo passagem para o portão principal. Aqueles que cruzaram, enfrentaram um segundo batalhão no pátio. Os elfos usaram as árvores da paisagem ao seu favor, e raízes cresceram. Os soldados, ocupados demais lutando contra a natureza, sucumbiram perante os lobos.
Os poucos humanos que estavam junto de Celise e Duncan enfrentaram mais adiante uma guarda significativamente menor, e substancialmente mais forte. Todos participaram do embate por alguns momentos, até que Duncan assumiu a luta de Celise também. Ele poderia morrer por isso, mas ela precisava seguir adiante.
A sala do trono parecia estar deserta, mas a princesa de Sahran sabia que não estava sozinha. Nas mãos, trazia uma espada que pegara de um soldado caído. Ela não queria aquele pandemônio, mas era um risco que todos teriam que correr se quisessem se libertar.
Muriel saiu de detrás do trono, usando um vestido tão vermelho quanto os cabelos. Aquela aparência pacata e frágil era o disfarce mais perfeito que uma feiticeira poderia conseguir, ninguém jamais desconfiaria. Ninguém desconfiou.
-Desista, Celise. Não pode me enfrentar. Você é poderosa, mas não o suficiente para me deter.
-Escolho morrer tentando.
-Outra vez? – questionou com um sorriso.
Ergueu a mão para as armaduras decorativas do ambiente, e estas criaram vida e atacaram. Celise não recuou, usou todas as habilidades que conhecia. Chamas não funcionaram, sombras tampouco. Conseguiu fazer cipós dos seus dedos, e eles se enrolaram por dentro das armaduras, retorcendo e partindo o metal até que as duas estivessem sozinhas novamente.
Muriel urrou de raiva e lançou feitiços na direção da outra. Esta se protegeu e desviou com o que pôde. Em determinado momento a espada voou de sua mão, e ela estava perto o suficiente para se lançar contra a mulher, usando as próprias unhas e dentes para dilacerar a carne. Muriel não foi capaz de se curar da magia que emanava da oponente.
Duncan entrou de supetão no aposento, se deparando horrorizado com o corpo desfalecente no chão e o sangue nas mãos e boca da princesa. Apesar do horror, o sentimento de liberdade lhe preencheu. Haviam conseguido.
A rainha parou de se mexer por completo, e naquele exato instante, Celise foi de encontro ao chão. O guerreiro a socorreu. A pele dela escurecia e rachava aos poucos. As folhas de seu rosto morriam rapidamente. Celise estava partindo mais uma vez.
O guerreiro tentou protestar, maldizer a vida ou pedir ajuda; mas ela apenas sorriu.
-Vai ficar tudo bem – tranquilizou-o.
-Está morrendo!
-Minha missão se cumpriu. Derrotei a Rainha Negra. Não devo viver além disso.
-Não é justo.
-Sim, é justo.
Seu corpo desfez-se em cascas secas e folhas mortas em instantes. Por um momento, Duncan quis chorar. Gritar. Sofrer. Mas então, dentre as folhas castanhas avistou uma pétala branca. Afastando os restos de Celise, encontrou uma rosa branca de manchas vermelhas intacta.
Tomando a flor nas mãos, lembrou das palavras do velho: quanto mais poderoso o feitiço, mais alto o preço. E como tinha sido alto!
Amargurado, levantou-se do chão levando consigo a flor, que era tudo o que sobrara da salvadora que tinha dado a vida para salvar a deles.

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Magia de Sangue
FantasíaSahran vivia seus melhores dias, até que uma tirana feiticeira assume o trono. As criaturas existentes no reino sofrem com a sede de sangue da monarca. Os sobreviventes depositam suas esperanças nas promessas de um velho feiticeiro, num ato desesper...