🥀 II - Estilhaços de vidro e um par de olhos azuis.

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Em um total, foram três pontos na testa e mais cinco no braço esquerdo. Meu corpo está repleto de arranhões e a minha cabeça doi como se estivessem fazendo uma festa dentro dela.

Eu estou em farrapos por dentro e por fora.

Me pergunto qual o momento exato onde tudo parou de dar certo. É como se eu estivesse em um sonho, onde eu danço feliz entre as nuvens e, do nada, erro os passos e caio como estilhaços de vidro no chão.

Eu e Emely voltamos para a casa, onde eu agora irei morar.

Já são nove horas da noite, mas pelo barulho vindo da casa, os amigos de Victória ainda estão lá.

Ao entrarmos na casa, todos na sala nos olham de imediato. Olham para Emely e em seguida para mim, para o meu corpo em farrapos.

Há um par de olhos azuis entre eles que me fita atentamente.

— Vic — Emely a chama e a mesma vem em direção a nós. — Eu vou voltar para casa dos meus pais, mas amanhã vou vir novamente. Pode mostrar o quarto para a Ammy?

— Claro — responde educadamente.

Sigo Victória pelas escadas da casa até que chegamos a um corredor estreito, onde há alguns quartos. Ela caminha até a segunda porta.

— Aqui é o seu quarto e ali fica o banheiro — aponta para a porta a direita do quarto. — Eu preparei uma sopa para você, pois achei que estaria com fome. Se precisar de qualquer coisa, eu estarei lá em baixo com os meus amigos.

Eu balanço a cabeça afirmativamente, sem ânimo algum.

Logo, ela desce e eu finalmente fico sozinha. O quarto não é grande, mas também não chega a ser pequeno. Há uma cama, uma penteadeira, um armário e algumas prateleiras.

Caminho até a janela e abro as cortinas brancas. Há um corredor estreito entre a minha janela e a janela da casa lavanda ao lado.

Acho que posso ser capaz de ficar bem aqui, pelo ou menos eu acho.

Tomo um banho frio, contorcendo-me por inteira à medida em que a água lava meus arranhões. Estendo os meus braços pálidos e posso ver as cicatrizes no meu pulso. Mais uma vez essa vontade aparece, doce e atraente, ela me convida a me cortar, a me auto-mutilar.

Dessa vez eu não quero. Eu rejeito. Eu me obrigo a tentar ser forte apenas uma vez. O jeito é deixar doer para ver se sara.

Saio do banho, me arrastando pelo quarto. Coloco uma calça de moletom preta e um blusão. Escovo meus cabelos e os deixo secarem sozinhos.

Ouço meu estômago roncar, então decido descer e comer alguma coisa. Desço as escadas devagar e quando passo pela sala, sinto os olhares daquelas pessoas me fitando. Eu dou de ombros. Logo eles esqueceram-se da minha presença e voltaram a fazer o que faziam antes.

Logo noto a quantidade de bíblias sobre a mesa de centro e entendo que todos ali são cristãos. Os ignoro, entro na cozinha e logo vejo o prato com sopa que Victória deixara sobre a mesa.

As pessoas na sala começam a cantar uma música. A atmosfera do ambiente logo muda totalmente, e eu não me sinto confortável ali, vendo eles glorificando e exaltando aquele Deus. A sopa começa a perder a boa aparência e gosto. Tento ignorá-los, mas não posso. Eu me sinto tocada por essa sensação de uma forma irritante. Assim, deixo a mesa e subo as escadas devagar, afim de fugir dali.

No quarto, deitada na cama, fecho os olhos e coloco a almofada sobre os meus ouvidos, na torpe tentativa de não ouvi-los. No entanto, aquela atmosfera parece imergir a casa inteira, e eu me sinto desconfortável. Eles cantam alto e posso até lembrar das vezes em que eu glorifiquei a Deus daquele jeito. Mas isso ficou no passado, esse tipo de adoração não faz mais parte da minha vida. Eu agora estou realmente perdida, sem Deus, sem nada. Apenas vivendo. Simplesmente existindo, sem sentido ou destino.

A garota da casa ao ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora