Capítulo 3 - "Juilliard"

14 0 0
                                    

O cansaço era tanto, que tinha tomado conta de mim fazendo com que acordasse de manhã cheia de fome pelo jantar que não tinha comido no dia anterior. E essa fome apertava-me tanto, que tomei um duche e vesti-me à pressa para ir tomar o pequeno-almoço, que tinha um aroma chamativo que saía da cozinha subindo pelas escadas e passava pelo corredor até chegar ao meu quarto e encher-me com água na boca.
A minha mãe estava a fazer ovos mexidos com bacon, mas na mesa podia encontrar: sumo de frutos tropicais, sumo de frutos vermelhos, sumo de laranja, leite, café, chocolate em pó, chá, pãezinhos, torradas, geleia, manteiga de amendoim, doce de frutos vermelhos, manteiga normal, queijo, fiambre, mortadela, panquecas, xarope de panquecas, toppings de morango; chocolate e caramelo; cereais de chocolate, cereais de argolas coloridas, cereais de mel, cereais integrais, bolo de mármore e fruta.
Eu não morava sozinha com os meus pais, tinha um irmão pequeno de três anos, Gil, mas para quatro pessoas, aquilo era um banquete.
- Bom dia família! - Saudei sentando-me à frente do meu pai que lia o jornal e segurava a sua caneca grande de café preferida, que a mãe lhe oferecera no aniversário dele. Era branca e tinha um bigode desenhado na base. Já na lateral dizia em inglês "Não me obrigues a usar a minha voz de professor"

Tinha tudo a ver com ele, porque o meu pai era o mais sábio e o que metia ordem em casa

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Tinha tudo a ver com ele, porque o meu pai era o mais sábio e o que metia ordem em casa. Mas não era professor (não de ensino).
A minha mãe colocou os ovos mexidos e o bacon frito na mesa, mas a mim apetecia-me comer panquecas com o famoso xarope apropriado.
Dei a minha primeira garfada e soube-me pela vida.

- Destiny, come mais de vagar

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

- Destiny, come mais de vagar. - Pediu o meu pai retirando os olhos do jornal.
- Estou faminta! - Respondi.
- É o que dá encher a barriga de descanso em vez do jantar que deverias ter comido. - Replicou a minha mãe.
- Mamã - O meu irmão gritou -, eu também queio pampeca!
- Tu queres o que eu te der, Gil. - Ripostou a mãe - Já fizeste hoje asneiras suficientes.
Ao contrário de mim, o meu irmãozinho era moreno. Aliás, todos eram morenos. A mãe tinha olhos cinzentos, o pai e o Gil verdes, e só eu é que tinha nascido loira e com olhos castanhos. Às vezes se não tivesse provas de que pertenço aos Clearwater, julgar-me-ia adotada. Mas eu sei como funciona esta coisa da genética com os alelos recessivos e predominantes. Eu devo ter os recessivos dos meus pais.
- Como foi ontem o teu dia de aulas, filha? - O meu pai quis saber.
- Foi bom. - Respondi num encolher de ombros - A professora Roberts mandou-me um trabalho de história, entrou um aluno novo, comecei matéria nova a psicologia, e vamos dar Wuthering Heights* em literatura inglesa.
- Quero-te com médias para entrares para a universidade. - Respondeu.
- Ah... Sobre isso. - Balbuciei - Eu não te quero desiludir pai, embora ache que não o vá fazer, mas...
- Mas o quê? - Interrompeu com uma voz severa - Vais formar-te em psicologia ou em biologia, tal como tu gostas.
Fechei os olhos com força e deixei que me saísse da boca rapidamente:
- Eu quero concorrer à Juilliard School.
O meu pai engasgou-se e cuspiu o café.
- Queres o quê?! - Ripostou - Ir para Nova Iorque seguir música?!
- Sim, pai. - Disse com seriedade e sinceridade - Desculpa não te ter dito antes, mas eu... sabem que eu sempre amei música.
- Não é qualquer um que entra na Juilliard, minha querida filha. - Respondeu e riu-se - Tu desistis-te da música quando eras criança, deixaste o instrumento sozinho a um canto do teu quarto e não tens prática nem experiência nenhuma que te faça tocar  ao nível de exigência da Juilliard.
- Eu ainda sei tocar violoncelo. - Repliquei - E piano.
- Destiny - Ele pediu -, não brinques com o teu pai que ele já está um pouco velho para brincadeiras com coisas sérias.
- Mas eu juro. - Insisti retirando um papel da mala que demonstrava o recital que iria ter naquele fim de semana e entreguei-lhe para as mãos.
O meu pai leu o programa que tinha lá escrito a negrito a minha performance: "Espetáculo de Violoncelo - Destiny Hope Clearwater"
- Isto é alguma brincadeira? - Inquiriu num tom bastante sério. Quando ele fazia isso eu sabia que ele ficaria chateado se eu estivesse a gozar com a sua cara.
- Não, pai. - Respondi - Eu sei que pratiquei quando era miúda e que quis desistir. Mas estes anos na escola participei nas atividades curriculares e dediquei-me de novo à música. O violoncelo que vocês me ofereceram está no quarto e eu pratico muito com ele quando vocês não estão em casa. Queria fazer-vos uma surpresa, porque eu sei que isto também era importante para vocês. E eu apenas aprendi o quanto era importante para mim também, mais tarde, por isso voltei a tocar.
A minha mãe largou o prato da papa do meu irmão, que aproveitou logo a oportunidade para meter as suas pequenas mãos lá dentro para fazer chafurdice. E ela levou uma das suas mãos ao rosto colocando a outra na cintura. Quando olhei pra si, reparei que a sua expressão era de tão enorme surpresa que as lágrimas de felicidade emergiram-se-lhe nos olhos.
- Ficamos felicíssimos por ti. - Balbuciou.
- Eu ficarei feliz quando te ver nesse tal recital. - O meu pai replicou - Quero ver como estão as tuas capacidades e irei avaliar-te para ver se tens o que a escola quer.
Sorri para os meus pais e agradeci com um "obrigada" e um abraço.
Depois subi as escadas para ir a casa de banho lavar os dentes, pentear-me e para ir buscar a minha mala.
Por fim voltei a descer e dei um beijinho à minha mãe e ao meu irmão para me despedir antes de ir para o liceu. O meu pai já tinha saído para trabalhar. Mal podia esperar para contar as novidades à Jasmin, a quem iria buscar no meu Mini Cooper, para irmos juntas, como sempre íamos.

*Wuthering Heights - O Monte dos Vendavais

A Noite da Pedra da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora