Túnel Sem Fim.

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Reino de Severac

Joseph seguiu na frente pelo túnel estreito e escuro, ouvindo as vozes pasmas e assustadas dos homens logo atrás que não entendiam como ele não se incomodava com toda aquela escuridão. Mas ele ignorou a todos e se concentrou no caminho. O túnel realmente parecia não ter fim e impossivelmente parecia se estreitar ainda mais conforme avançavam.
__Esse túnel não tem fim__ um dos homens murmurou__ vamos morrer aqui dentro.
__Cale a boca__ Joseph ordenou.
__Está muito calor__ outro reclamou__ acho que estou sufocando.
__Eu mandei calar a boca__ Joseph repetiu zangado.
Parou de caminhar e se virou para tomar a tocha das mãos de um dos homens.
__Algum problema comandante?
__Tem alguma coisa errada nesse lugar__ ele sussurrou.
__Eu não entendo...
__Já passamos por aqui__ Joseph disse__ estamos andando em círculos, aquelas malditas bifurcações não levam a lugares diferentes, mas sim ao mesmo maldito lugar.
__Eu não...__Todos vocês, de volta ao salão agora.
__Mas comandante...
__Eu disse agora__ ele ordenou aumentando o tom de voz.
Os homens não tiveram alternativa a não ser voltar, mas Joseph ficou onde estava e assim que se viu livre dos homens prosseguiu pelo túnel, apressando o passo. Não tinha necessariamente mentido, nem falado a verdade... Era uma meia verdade. Os homens que passaram por ali estavam realmente andando em círculos, confusos, pois havia uma bifurcação no túnel a cada setecentos metros e a escolha errada os fazia voltar ao mesmo lugar de onde vieram e era um exercício sem fim. Mas Joseph era esperto demais para cair nessa brincadeira e percebera o padrão.
Uma das passagens o levava ao lugar de onde viera e a outra o fazia seguir em frente. Havia uma pequena marcação na passagem correta para que pudessem se guiar, mas a escuridão e o medo cegavam e impedia que os homens descobrissem algo que era tão simples. Então por um tempo incontável naquela escuridão sufocante, Joseph seguiu pelo túnel, de passagem em passagem até visualizar uma porta.
Seu coração parou um instante quando viu o que havia do outro lado.

***

Quando Joseph emergiu de dentro do Túnel, Hugo estava a sua espera na porta, com aquele sorriso irritante no rosto.
__Comandante, que bom que apareceu, estávamos ficando preocupados, achamos que tinha se perdido lá em baixo, já ia mandar um grupo de busca para resgatá-lo.
__Agradeço a preocupação, mas estou perfeitamente bem.
__Você sumiu por horas.
__O que posso dizer? Eu gosto de ficar no escuro__ deu de ombros.
__Encontrou alguma coisa lá em baixo?__ Hugo quis saber.
__Não__ mentiu com um sorriso__ aquele lugar é um labirinto, um truque estúpido para fazer homens idiotas e medrosos andarem em círculos por dias e não chegarem a lugar algum. É uma perda de tempo Hugo.
__Que bom que Klaus o enviou aqui para evitar tamanha perda de tempo__ o homem disse sorrindo e Joseph não gostou nada do gesto, era sinistro demais para o seu gosto, aquele homem era... Estranho.__É realmente uma sorte__ Joseph saiu da despensa e quando olhou pela janela para a noite lá fora percebeu que realmente tinha passado muitas horas debaixo daquele túnel, e só agora percebia o quanto estava cansado, sujo e com fome__ vou descansar um pouco e partirei de volta a Murdor de manhã, tenho outros assuntos do Rei para tratar.
__Como quiser comandante.
Hugo ficou observando enquanto Joseph se retirava e o comandante deu graças a Deus a se ver livre daquele homem. Escolheu um quarto qualquer no Palácio e tomou um banho para se livrar da sujeira, passou a pasta curativa no machucado do ombro que estava quase totalmente recuperado e comeu, não percebendo até aquele momento a extensão da sua fome. Depois deitou-se na cama para tentar dormir um pouco, mas sabia que não conseguiria, estava ansioso demais.Talvez Demetria o ajudasse se estivesse ali também, mas àquela hora devia estar nos aposentos de Klaus o servindo e o pensamento não lhe trouxe nenhum conforto, só o deixou ainda mais inquieto e irritado. Tentou pensar no que encontraria pela manhã quando fosse a Harenwall, será que depois de dezoito anos finalmente veria a mãe e a irmã? Será que poria um fim em toda aquela confusão? Esperava que sim. Toda aquela guerra era um enorme quebra cabeça para se montar, e as peças estavam começando a se encaixar bem lentamente.
Joseph tentou não pensar no que tinha visto dentro daquele túnel. Seu dever era relatar aquilo ao Rei Klaus e provavelmente à guerra chegaria ao fim. Mas... Se contasse... Não sabia mais o que era certo e errado. Na verdade todos os caminhos a sua frente pareciam errados.
Fechou os olhos com força e respirou fundo... Tinha que se focar na única coisa que era realmente importante e certa em sua vida.


***

Harenwall


Assim que o dia amanheceu, Joseph partiu de Severac, deixando seus homens por lá por mais alguns dias e levando consigo apenas uma bolsa com uma pequena quantidade de ouro tirada da sala do Tesouro, para poder entregar ao Rei Klaus. Mas antes de partir para Murdor, ele tinha outro lugar a visitar... Harenwall. De Severac até Harenwall, era menos de um dia de viagem e Joseph chegou nos portões ao entardecer, mas não podia entrar na cidade e arriscar ser visto. De onde observava, contou pelo menos dez guardas nos portões e nos muros, imaginou quantos mais haveria lá dentro.
__Hey garoto__ ainda em cima de seu cavalo negro, ele chamou por um menino que passava pela estrada e caminhava em direção a cidade. O garoto o olhou com receio, um homem vestido de negro, usando capuz em cima de um cavalo negro não era lá muito confiável, mas ele se aproximou mesmo assim.
__O que foi?
__Você mora nessa cidade?__ ele apontou.
__Sim senhor, moro aqui__ ele concordou.__Quer ganhar algumas moedas?__ Joseph perguntou abaixando o capuz e mostrando ao menino três moedas de prata.
__O que tenho que fazer?__ os olhos do menino brilharam.
__Quero que entre lá e conte pra mim quantos guardas tem na cidade__ ele pediu. Já estivera em Harenwall antes e sabia que era uma cidade muito pequena, o menino não ia demorar para dar uma volta completa e lhe dizer quantos guardas haviam__ e quero que me diga em que lugar cada um deles está e que tipo de armamento usam.
Tinha o mapa da cidade na cabeça, se lembrava de cada cantinho da ultima vez que estivera ali e vagar por lá não seria problema, mas precisava saber o que o esperava do outro lado.
__Acha que pode fazer isso?__ ele perguntou.
__Sim senhor__ o menino concordou.
__Tudo bem, te dou essas três moedas agora, e mais duas quando voltar se fizer o trabalho direito e não deixe que ninguém perceba o que está fazendo.Jogou as três moedas para o menino e quando ele entrou correndo na cidade, cobriu novamente o rosto com o capuz e foi esperar com o cavalo na sombra, para sair da passagem e que para ninguém ficasse reparando nele. Desceu da montaria para que o cavalo descansasse um pouco, se escorou em uma árvore e esperou pelo menino, com os pensamentos bem longe. Imaginou como estariam as coisas em Murdor nesses dias que estava fora e não pode deixar de pensar como seria se realmente conseguisse tirar sua família daquela cidade. Pra onde iriam? O que fariam? Nunca tinha chegado a considerar essa parte, mas agora que estava tão perto de conseguir as perguntas iam se embaralhando em sua cabeça, lhe deixando confuso.
Não muito tempo depois, o menino voltou correndo e veio lhe encontrar sob a sombra da árvore.
__Então, fez o que te pedi?
__Sim__ o menino concordou__ Tem dois guardas no portão de entrada, mais vinte deles espalhados em cima dos muros da cidade, e outros dezoito espalhados pelas ruas, em frente ao comércio, como as forjas, a padaria, e os bares. E tem mais uns seis protegendo uma casa antiga bem lá no fim da cidade, ninguém sabe o que tem lá dentro, eles não deixam ninguém ver.__Uma casa antiga?
__É sim, de madeira escura e bem velha e fica fechada o tempo todo.
__E as armas que os guardas estão usando?
__Estão todos de armadura, espada, alguns tem lanças e facas também.
__E como são esses homens?__ Joseph perguntou__ altos? Baixos? Fortes?
__São todos bem altos e fortes__ o menino disse__ porque quer saber tudo isso?
__Não importa__ ele pegou mais duas medas e pos na mão do menino__ você nunca me viu está entendendo? Não conte nada disso que te perguntei a ninguém.
__Tudo bem__ o menino concordou.
Joseph montou novamente em seu cavalo, e olhou na direção da cidade. Nunca tiraria sua família dali sem ajuda.
__Vá pra casa__ ordenou ao menino.
O garoto o fitou por mais um minuto e depois voltou pra dentro da cidade correndo. Joseph suspirou e então se virou e saiu dali a galope, correndo de volta para Murdor.

O Cavaleiro das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora