Capítulo I

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Melinda


Christine me inspecionou uma última vez, erguendo os polegares para mim e sorrindo em aprovação.


- Me diz por que estou fazendo isso, de novo?


- Porque eu pedi. Pedi muito, fui muito insistente e, como minha melhor amiga, é seu dever me ajudar.


- Certo - concordei meio a contragosto, recebendo um beijo estalado na bochecha. - Mas eu ia visitar Eva hoje. Javier viria me buscar.


- É, claro, claro. Você pode fazer isso amanhã. Javier - ela falou, num tom desdenhoso - vai entender.


Aquilo me fez sorrir.


Christine não poderia gostar menos de Javier, e a recíproca não poderia ser mais verdadeira. Não era como se eles se odiassem de verdade, mas tinham essa mania - às vezes irritante, às vezes engraçada - de ficar disputando minha atenção.


Javier era bem mais maleável que Christine, para ser sincera. Ele até achou legal que ela e eu dividíssemos um apartamento, mesmo isso significando que nós dois fôssemos permanecer meio longe um do outro. Mas ele compensava isso aparecendo a todo momento, sem aviso prévio, às vezes tarde da noite, testando os limites de Christine.


Eu gostava da companhia dos dois, ambas me faziam bem. Não teria sobrevivido às últimas sete semanas se não fosse por eles. No começo fiquei meio reticente com Javier, com medo de ele achar que, uma vez que eu não estava com ninguém, isso pudesse significar que ele e eu teríamos uma chance. Mas então descobri que ele estava saindo com alguém, e foi um alívio saber que esses ideais românticos tinham ficado no passado.


A vida não era fácil, isso eu precisava admitir, mas ter amigos que me davam suporte tornava o fardo mais leve. Eu tinha um novo emprego, uma nova casa, um guarda-roupa novo, visual diferente e uma colega de quarto. Era um recomeço singelo, sim, mas eu estava seguindo em frente, como disse a mim mesma que faria.


***


A boate tinha um jogo de luzes que estava quase me deixando tonta. Esperava mesmo que o tal amigo do atual namorado de Christine não levasse jeito para dança, porque eu não estava nem um pouco a fim de ter que me espremer entre todas aquelas pessoas. Especialmente com aquele arco-íris piscante me ferindo os olhos.


- Ei, você está vendo Travor? - Christine gritou ao meu ouvido, para se fazer ouvir através da música alta.


- Não tenho certeza. Acho que não.


A verdade era que eu só tinha visto Travor uma única vez, em meio àquela confusão seria impossível achá-lo. Meu Deus! Eu não conseguiria me achar, se me perdesse.


- Droga! Será que a gente chegou muito cedo? Assim vai parecer que estamos ansiosas demais.


E Christine realmente estava, mas eu não lhe disse isso. Já tinha coisas demais para lidar depois de ter concordado com essa ideia absurda de encontro às cegas, só porque Travor queria arrastar um amigo junto consigo. E, claro, Christine me escalou para ser a acompanhante dele. Outra exigência de Travor. Eu já estava começando a não gostar nada desse cara.


Eu fui ao toalete enquanto Christine procurava por Travor e nós combinamos de nos encontrarmos no bar. Ela estava uma pilha de nervos, e eu, me arrependendo amargamente de ter concordado com aquele absurdo. Encontros já podiam ser ruins o bastante quando se escolhia o par, eu não queria saber quão desastroso poderia ser com os dois assim, no escuro.


***


- Eu estou mesmo impressionado. Pensei que você tivesse o dobro de peso, uns dez dentes a menos e fosse um verdadeiro horror.

Doce Amargo - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora