Capítulo IV

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Havia uma linha muito tênue entre o que eu queria fazer e o que deveria. Desejava ver Linda e precisava me desculpar também. Certo, até aí estava tudo entendido. Era a incerteza quanto ao que me atingiria do lado de lá que me fazia hesitar.
Porém eu já havia dado tempo ao tempo, para que a raiva e a indignação de Linda se dissipassem e dessem vazão a algo mais. Talvez Elizabeth estivesse mesmo certa, e Linda até mesmo quisesse me ver. Era bem possível. Eu queria vê-la.
Especulei se ela me pareceria muito diferente depois de quase três meses, mas rejeitei a ideia. Foi ela mesma quem gritou para mim que nada a faria mudar sua essência e, de um jeito egoísta, até gostei disso. Não queria mesmo que ela mudasse, porque ela ser como era sempre foi a razão motriz para eu gostar dela.
Iniciei minha busca por ela no próprio escritório. Nem cogitei perguntar algo para Christine, afinal de contas, ela já tinha dito, veementemente, que não sabia onde Linda tinha se metido. Eu sabia que era mentira, mas entendia que ela não quisesse dizer nada. Foi até uma boa desculpa para deixar as coisas como estavam. Não mais.
Talento para procurar por alguém eu não tinha mesmo, então achar alguma coisa foi bem mais difícil do que pensei. Dei de cara com alguns becos sem saída e isso me deixou frustrado. Então eu pedi ajuda a Elizabeth, que se negou a me dar qualquer informação sobre Linda, mas prometeu abordar o assunto com ela no próximo encontro, que provavelmente seria dentro de alguns dias. Mas eu não tinha alguns dias.
— Por que tocou no assunto se não estava disposta a ajudar? — eu quis saber.
— Não posso passar o telefone dela, desculpe. Mas vou falar com ela, é sério.
— Quando?
— Logo. Também quero que vocês se entendam, mas ficar pressionando não vai dar muito certo. Entenda, por favor.
— Tudo bem — concordei, mais por estar impaciente e irritadiço que qualquer outra coisa.
Elizabeth me deu um beijo demorado na bochecha, segurou minha mão e pousou sobre a barriga imensa. Matthew deu um leve chute no local, me lembrando de que sua chegada estava bem próxima, e, por um momento, eu até senti certo conforto por ter Lizzie ali e poder contar com ela — mesmo que ela parecesse estar do lado de Linda, não do meu.
— Falta pouco pra ele nascer — sussurrou, um indisfarçável tom de orgulho na voz. — Quando tento imaginar como ele pode ser, não consigo. Sempre me vem a imagem do nosso irmão à memória.
— Ainda se lembra dele?
Ela riu, parecendo meio incerta.
— Às vezes acho que sim. Outras, acho que me lembro de você e só. Não sei dizer.
Concordei, sem saber o que mais poderia fazer ou dizer.
— Éramos bem parecidos.
— Era o que a mamãe costumava dizer. Mas ela não falava muito disso. Era doloroso.
— Perder um filho deve mesmo ser bem doloroso — anuí.
— É. — Lizzie suspirou, um ar pensativo moldando seu semblante. — Imagina só como deve ter sido perder dois.
***
Tirar um tempo para dar atenção à minha família foi algo que aprendi com Linda, por isso olhar para o lado e perceber que ela não estava ali causava certa estranheza. Não só em mim, mas também em Sofie, que constantemente perguntava pela tia Linda e por que ela não aparecia mais para uma visita.
Eu não sabia exatamente o que responder, foi Elizabeth quem interveio, dizendo que Linda estava muito ocupada no trabalho e não podia aparecer por enquanto, mas que logo as coisas voltariam ao normal.
Voltar ao normal... Esse era o normal, então? Linda e eu juntos? Soava bem, para ser sincero, mesmo que eu não soubesse como fazer com que isso funcionasse.
Foram só dias mais tarde que consegui ter uma pista sobre Linda. Descobrir onde era seu novo emprego não foi fácil, mas a partir daí foi mais simples seguir os passos dela e, inclusive, descobrir o novo endereço.
Acampado em frente ao prédio dela, foi Christine quem vi passar, não Linda. Concluí que elas deviam ser colegas de quarto e me perguntei como não pensei nisso antes. Ela não tinha simplesmente evaporado, só estava se esquivando de mim, fazendo de tudo para que as coisas seguissem como se não houvesse uma interseção em nossos caminhos. Acontece que havia, sim, e eu me lembrava de cada momento, do mesmo jeito que ela também se lembrava. Não se apaga da memória meses de convivência num piscar de olhos.
As horas deslizavam lentamente, o ponteiro do meu relógio de pulso mal parecia se mexer. Irrequieto, busquei posições diferentes no banco para que a espera não fosse tão penosa, mas nada resolveu muito. Eu estava meio distraído quando a vi, porque não esperava que as coisas se desenrolassem daquele modo.
Um carro estacionou junto ao passeio. O motorista desceu e abriu a porta do passageiro. Foi a vez de Linda descer, com um sorriso tão bonito que chegou a me doer. De um modo inenarrável, aquilo me incomodava a níveis estratosféricos.
Meu primeiro instinto foi ir até lá, arrancá-la de perto dele e chamá-la para a conversa de que ela fugiu quando foi embora de casa sem me dizer absolutamente nada. Contudo, se eu já não estava preparado para vê-la sorrir tão abertamente para outro homem, vê-la nos braços dele, sendo beijada e correspondendo foi ainda pior. A sensação era de ter sido golpeado bem no estômago. Era mesmo como uma dor física que me imobilizava, então eu apenas assisti, em silêncio, sentindo a cólera se alastrar por todo meu corpo e trazer uma ardência desconfortável aos meus olhos.
Linda foi abraçada pela cintura e pareceu gostar do que foi sussurrado em seu ouvido. Ela riu outra vez e tudo o que pude fazer em resposta foi apertar o volante entre as mãos e trincar os dentes. Pisquei demoradamente uma vez, esperando que a imagem se esvaísse. Não podia ser verdade, não quando há poucas semanas Linda estava em meus braços dizendo que me pertencia, ao mesmo tempo em que eu beijava cada pequeno pedaço do corpo dela. Ela repetiu isso centenas de vezes enquanto fazíamos amor e eu a levava ao ápice das sensações. Ela era minha, e não porque eu estava dizendo, mas porque seu corpo respondia ao meu.
Quando finalmente abri os olhos, eles ainda estavam lá, despedindo-se com um beijo calmo. Linda acenou levemente, dando as costas e encaminhando-se para o prédio. O homem a esperou entrar, tomou seu lugar no banco do motorista e então foi embora também. Mas eu fiquei ali, estático, atônito, com aquele sentimento estranho que me apertava o peito, querendo mais que tudo que Linda estivesse ali, porque era ela quem costumava fazer com que essas sensações fossem embora e não me incomodassem mais.






Doce Amargo - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora