Tag team, the double header
Son of Sam, fire always makes it better
— The Offspring.
Se fosse uma madrugada comum, Jeff estaria dormindo e roncando como um porco enquanto Bruna e Priscila dançariam até perder toda energia numa festa. Ethan estaria acordado olhando as estrelas e falando sobre leis da Arte com Chris, que provavelmente estaria lendo os rascunhos de Erika sobre telepatia com estranhos. Agatha estaria com alguma mulher que seduziu com o sorriso de canto ou como lobo solitário num lugar qualquer da cidade.
Ah, aquela não era uma das tantas madrugadas boas que tiveram. Jeff, que costumava ser o dorminhoco, estava bem acordado e com os pensamentos conturbados. Jogado contra a parede, enrolado no seu velho manto xadrez de vermelho desbotado pelo tempo e cheio de furos de cigarros, ele continuava matutando a mesma pergunta todas as madrugadas há exatos trinta dias.
A diferença era que, naquela noite fria, Erika estava sem paciência para se manter em silêncio quando um diálogo poderia resolver o problema... Ou uma parte dele. Ou talvez, ainda, um meio diálogo no qual ela ignorasse a privacidade dos pensamentos de Jefferson e os escutasse desse as respostas que tanto queria.
— É tentador te ver com essa cara de... qual o termo a Bruna diria? Cara de peixe pós-anzol durante a piracema. Sim, é tentador te ver com esse focinho e não descobrir o que está passando nessa cabecinha de cabelos de alface.
Jeff sorriu e abriu o braço, oferecendo um pedaço de tecido para que ela se abrigasse, caso não se importasse com o abraço de suor azedo. Erika não ligou e aceitou a oferta discreta.
Durante alguns minutos eles permaneceram quietos apenas olhando para os lados no breu da noite, trancafiados nos próprios pensamentos e nas observações banais inevitáveis. Entre notar que Ethan roncava semelhante a um trator de motor potente e que a nádega de Bruna estava descoberta sob o lençol, Jeff pensava no que deveria dizer a Erika. A ruiva, por outro lado, tentava prever se Agatha e Priscila estavam cruzando a linha suave entre amizade com provocações e amizade com benefícios sexuais; a forma como estavam abraçadas dizia que sim, mas não era uma certeza absoluta. A voz de Jeff a tirou da sua tentativa de calcular probabilidades.
— Baixinha, você lembra quando o Chris começou com aquela teoria de que o Véu tinha uma espessura diferente em cada região?
Ela estranhou:
— A gente foi muito além do que essa teoria, fazem uns dois anos já... Foi toda aquela conversa sobre os nove mundos da mitologia nórdica e comparações com o que sabíamos sobre as dimensões. Que dor na mente, porra.
Ele meneou a cabeça. Estava pronto para citar Shakespeare e deixar o assunto para lá, mas o olhar encravado nos seus era um alerta sobre a telepatia: Erika queria saber, ela iria de qualquer forma.
— Baixinha... Eu acho que...
Ele interrompeu-se quando viu o pequeno sorriso no canto da boca da sua companheira de Arte. Apesar das semelhanças de expressões entre Agatha e Erika, os significados eram opostos: na ruiva, aquele lábio torcido com olhar enviesado era um indicador de problema. Ela verbalizou o apoio para que ele retomasse a fala:
— Traduzindo: Erika, eu tenho certeza que... Agora continua, Jeffs.
— Eu acho que tem algo errado com esse lugar, não com a gente. Nós somos bons demais pra errar de um jeito tão estúpido, modéstia à parte. Mas o Chris era o único que conseguia sentir o Véu, então...
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Teatro da Mente
Fantasy"Suas mochilas estavam amontoadas entreabertas num canto e dois cobertores ainda restavam no chão de cimento úmido. Agrupados na tranquilidade do segundo andar de um monastério parcialmente destruído, eles que eram um meio termo entre marginais, gót...