Manhãs

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Existem manhãs que não quero pensar em nada; apenas esquecer tudo. Não me olho no espelho. Evito todos os reflexos do meu rosto. Reflexos que surgem na colher do jantar, na poça de água após o banho, no olhar límpido de pessoas diversas.

Quem dera fosse apenas aparência física... com ela, eu posso lidar, manuzear, remexer. O que assola de verdade, é o que enxergo por trás da moldura articulada que possuo.

Existem manhãs que quero ser nada. Experimentar tudo. Quero ser qualquer um que encontro pela rua, viver sua vida, e ah, sim, eu viveria.

Quero ser o que não posso ver. Quero ser o barulho de gotas caíndo, quero viver em outros tempos. Quero ser mutável.

E existem manhãs como esta.

Você me vê a que horas?

Não sou uma pessoa matutina, é perceptível.

Ah, mas existem manhãs. Como lhe disse, manhãs como esta.

Manhãs em que não quero nada além de palavras mudas. Que meus dedos saltam longe da minha racionalidade e se debatem sobre o papel. Sempre há uma caneta, firme e companheira. Ou talvez teclas inanimadas.

E todas as manhãs valem a pena. Valem porque manhãs assim existem. Consigo ser tudo que sempre um dia quisera ser, conquisto minha mutação tão desejada.

Manhãs como estas, me lembram o que é liberdade.

Palavras fugidiasOnde histórias criam vida. Descubra agora