Capítulo 2

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Voltando para casa, reparei em um cartaz na parede de um muro.

– VENHA FAZER PARTE DE NOSSOS PRIVILÉGIADOS.

ENTREVISTAS NA PROXIMA SEMANA.

JUNTOS SOMOS MAIS!

Não era normal uma moça prestar atenção ou mostrar interesse por coisas daquele tipo, mas mesmo assim eu olhava com concentração.

Eu queria fazer algo. Eu precisava fazer algo!

Papai estava nas mãos dos Inquisidores e ficar ali parada, esperando sua morte, não era a melhor solução. Eu precisava salvar o meu pai.

Retirei o cartaz da parede e o dobrei, até conseguir guarda-lo na parte de dentro do meu vestido.

– Onde você estava? – mamãe estava na sala, aflita. Lagrimas ameaçavam cair dos seus olhos.

– Eu estava andando, conhecendo o... – evitei olhar em seus olhos. – O condado, fiquei curiosa.

Ela se aproximou de mim como se fosse me bater.

– Nunca mais faça isso, você entendeu Louise? Nunca mais saia desse jeito, sem me avisar. – ela apertou meus braços com força.

Fiquei sem resposta, não conseguia pensar em mais nada para falar, então, de repente, ela começou a chorar desesperadamente.

– Está tudo bem, mamãe está tudo bem. – abracei-a e ela fez o mesmo. Mamãe não estava bem, o pavor em seus olhos e o impulso das suas ações. Ela não conseguia mais ser forte.

Mais tarde em meu quarto, peguei a carta da Escola Laster que estava em minha mala. Faltavam pouco mais de quinze dias para minha partida, e eu não sabia como mamãe ficaria sem mim.

Eu não tinha interesse nenhum em ir para aquela escola, mesmo sendo no Condado de Graymish, o condado mais estruturado de todo o país. Lá ficavam o Prédio do Privilégio, as Bases de Treinamento do Exército e a escola para onde eu iria, além de museus, cinemas e grandes festas. Toda a Aristocracia morava lá, e era o alvo principal dos Inquisidores. Destruir o Condado de Graymish, significava destruir todo o país.

Os Inquisidores eram um grupo extremista, formado por antigos Condes. Eles foram depostos e expulsos dos condados, após roubarem quase todas as finanças do Prédio do Privilégio, que sustentava todo o país. Mas depois de anos em reclusão, decidiram retomar ao poder e estavam dispostos a tudo para conseguirem essa façanha.

O Coronel Tyler, era um forte aliado dos Inquisidores. Ele havia sido banido do Exército, após ser beneficiado com os roubos dos Condes. Ele era assustador, a todo momento ouvíamos notícias sobre seus ataques sanguinários aos condados. Ele era o braço direito do líder dos Inquisidores, o homem mais comentado nos últimos meses, o Conde Mouchevick.

Eu tentei me acostumar com a ideia de ir para o Condado de Graymish. Frederick estava lá, e mesmo que não nos víssemos diariamente, devido aos seus compromissos na Base Militar, vê-lo pelo menos uma vez na semana, ou no mês, era suficiente para mim. Eu só precisava vê-lo.

Mas como minha mãe iria ficar sem mim? Ela estava tão vulnerável, e meu pai estava nas mãos dos Inquisidores, sendo torturado ou escravizado por eles. Eu precisava me decidir, descobrir minhas prioridades.

Coloquei a carta da Escola Laster encima da cômoda e peguei o cartaz dobrado em meu vestido. A ideia de participar do Recrutamento e ser treinada pelos Privilegiados, para salvar o meu pai, para salvar o mundo, me tirava a paz.

Uma mistura de medo e empolgação me tomavam.

As entrevistas começariam na próxima semana, e minha ida para o Condado de Graymish seria somente um mês depois. Eu podia ser recrutada e enviada para Graymish. Do mesmo jeito eu estaria lá, sendo estudante ou recruta, afinal, lá ficava a Base Militar, e Frederick e eu ficaríamos juntos. Um protegendo o outro.

E mamãe? O que eu faria com ela?

Eu poderia deixa-la com Tia Trênia, só por uns meses, enquanto eu era recrutada e treinada. Depois, já sendo uma oficial, eu poderia exigir um lugar em Graymish para ela morar, perto de mim. Essa era a melhor decisão.

A semana passou rapidamente e o grande dia chegou.

– Errou o caminho para o salão de beleza mocinha? – um soldado na mesa de inscrição disse em tom debochado. Ele me olhou dos pés à cabeça.

Eu estava com um dos meus longos, volumosos – e cheios de tecidos desnecessários – vestidos. Eu não tinha outra roupa para ir numa entrevista para ser recrutada pelo exército. Há alguns dias, eu nem imaginava que estaria ali.

– Não, estou no lugar certo. – respondi sem firmeza, como se tivesse dúvidas.

Meu cabelo era grande e estava bem emaranhado numa trança que montava um coque. Minha pele branca devia estar rosada de vergonha, de medo.

– Deixe-a comigo soldado! – a mulher apareceu. A mesma mulher que eu havia visto na loja de roupas. Toda imponente e destemida, ela realmente era fascinante.

– O que você quer garota? – ela se sentou no lugar do soldado e com rigidez olhou diretamente em meus olhos. Um livro estava em suas mãos, parecia uma agenda pelo aspecto da capa.

– Quero me alistar! Quero ser recrutada! – tentei falar com convicção e não desviar o olhar.

Ela me olhou, inquiridora.

Sua farda era diferente das outras, dos outros soldados. Tinham alguns detalhes verdes escuros, mas a maior parte da roupa era preta. Seu cargo devia ser um dos melhores ali.

– Escuta aqui garota. Pessoas morrem aqui todos os dias, enquanto você faz compras e pensa o que vai fazer da vida. – ela bateu os punhos na mesa. – Isso aqui não é brincadeira, é uma escolha sem volta.

As palavras dela foram definitivas.

Um medo me abateu. É uma escolha sem volta.

Eu queria levantar dali e sair correndo, mas lembrei do meu pai.

Ele precisava de mim.

– Ainda assim quero ser recrutada. – respondi calmamente, me endireitando na cadeira.

Ela sorriu.

– Não vou fazer isso. Vá embora. – ela fechou o livro encima da mesa e se preparou para levantar.

– Não. – gritei, e até eu me surpreendi, mas continuei. – Meu pai foi levado por aqueles vermes, e eu preciso ajuda-lo. E você querendo ou não... – me levantei trêmula. – Eu vou ser recrutada!

Esperei a mulher me expulsar a ponta pés dali, mas a atitude dela, também me surpreendeu. Um sorriso apareceu no canto de sua boca. Ela havia gostado do que acabava de acontecer.

– Qual o nome? – ela abriu novamente o livro.

Me sentei, tentando continuar firme, mas o sorriso, por mais discreto que fosse, apareceu.

– Louise, Louise Margharet Palecy. – respondi.

PrivilegiadaOnde histórias criam vida. Descubra agora