Preparação

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Os teus passos ainda ecoam pela minha fraca memória, como se de um déjà vu se tratasse.

Tu sorrias para mim, como se nada de estranho estava a acontecer.

Um beijo na testa me tinhas depositado, acompanhado de um "Até breve, meu amor!".

Infelizmente eu não conseguia entender o porquê dessas palavras.

Tinhas sido tu que me tinhas prometido um "Para sempre" e a repetição de "Eu estarei sempre aqui ao teu lado" e as doces palavras do "Eu amo-te".

Mas agora vejo que tudo isso não passou de uma dissimulação.

Eu nunca pensei que mentir-me fosse a opção mais acertada para me fazeres feliz, eu juro-te que não...

O silêncio desta casa torna os meus dias mais solitários e perturbadores, por tua causa.

Quem tu pensas que és para me deixares assim, neste estado?! Marcada para o resto da minha vida.

Desde esse miserável dia nunca mais pus-te os olhos em cima, e nem tive oportunidade de poder voltar a ouvir a tua voz.

Não trabalho e, nem sei como é que ainda me aguento dentro desta casa. Sem nenhum rendimento...

Eu contei, eu contei quantos dias se passaram desde aquele dia, fazem hoje 805 dias!

Todos esses dias foram passados totalmente isolada do mundo.

E a cada dia que passava eu criava esperanças de que um dia chegasses de surpresa e que me enchesses de beijos dizendo que morrias de saudades minhas...

Mas tu criaste em mim um mundo só teu, onde eras tu o centro do meu Universo.

Porém tudo isso, lamentavelmente degradara paulatinamente ao longo destes anos, com inquietante agonia.

Admito que já faz algum tempo que não me conseguia reconhecer em frente do espelho, talvez pela magreza do meu corpo,  o tom seco do meu olhar e pelos meus escassos negros fios de cabelo...

Parece-me que a cada dia que passa eu deparo-me com uma realidade mais lúgrebe e macabra.

Será que em algum dia poderei ter de volta o brilho que perdi?

Como era bom o tempo em que eu era profundamente feliz ao teu lado...

Passei por várias psicólogos, é verdade, e todos diziam-me sempre o mesmo: Transtorno Depressivo Persistente (Distimia).

Provavelmente seja isso, mas que culpa tenho eu de ser como sou? Tantas receitas prescritas e tudo o que eu acreditava, era que nada daquilo iria mudar ou amenizar a verdadeira dor que permanece no meu peito.

Era impossível tentar esquecer que houve um dia da minha vida que foi marcado pela fria atitude de abandono por parte da pessoa que eu mais amava e que confiava, muito menos no dia em que festejávamos o nosso quarto aniversário de namoro.

Não eram só noventa dias de namoro!

Que mal fiz eu?

Esta era das únicas perguntas que conseguia naturalmente destruir os meus neurónios de tanto pensar na possível resposta...

As minhas manhãs são sempre sem vida, monótonas,  como o resto do dia...

Mas sempre que acordo, revolto-me e muito!

Como é que podem querer alguém como eu, que sofre todos os dias e que já não dá oportunidade e esperanças à vida que continue viva? Como!?

Eu não posso aceitar, mas mesmo com tantas tentativas de suicídio nada funciona.

Eu quero perecer, será que é assim tão difícil de entender?

Eu não sou ninguém.

Aqui estou eu outra vez, sentada no chão frio da sala encostada num canto, de olhos fechados, tentando reconstruir os momentos mais agradáveis que por aqui passamos.

Não consigo parar de sentir-me fraca, o que é um bom sinal, acho eu.

Eu até já presumo que a Morte esteja a caminhar ao meu lado. 

Só ela me entende.

O Universo é vasto, e eu no meio disto tudo não sei que falta faço aqui...

'Senhora Morte,

 Escrevo-lhe esta carta para a informar o quão desejosa estou para partir deste mundo...Prometo-lhe que não terá dificuldades para tirar-me daqui, porque é decisivamente  consigo que a minha miserável vida fará mais sentido.

Quem diria que eu com apenas vinte anos desejasse tanto a Morte do que outra coisa qualquer.

Eu quero estar sozinha e queria do fundo do meu coração -se fosse possível- morrer de olhos abertos...Sim é isso mesmo.

Pois, queria levar comigo a última imagem da minha vida, porque valorizo bastante e considero que não haja nada mais bonito do que a capacidade de observar.

Obrigada, 

Maya '

I'm OkayOnde histórias criam vida. Descubra agora