Capítulo 3

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Respostas: queria arrancar algumas de dentro de mim.

Primeira: o motivo de ele ser tão grosseiro e, de repente, parecer tão gentil. Tudo bem que ele se definiu como complicado, mas isso não respondia as minhas perguntas.

Segunda: por que isso mexia de uma forma diferente comigo. Ele me trazia uma mistura de sensações que eu nunca havia sentido antes e não queria nem pensar no que poderiam resultar.

E por último: a razão de ele estar ocupando boa parte dos meus pensamentos; isso realmente estava me preocupando.

Ao toque do sinal levantamos e fomos embora. No ônibus escolar o avistei no mesmo lugar, lá no fundo, mas desta vez havia outros assentos sobrando, então sentei na frente. Olhei para trás algumas vezes e ele não me olhou em nenhuma.

Cheguei em casa e joguei minha mochila no sofá. Ninguém estava lá, assim como quase todos os dias, almoçaria sozinha.

Meu pai é piloto de avião, ele ama seu emprego, ama viajar... Amava ainda mais minha mãe. É isso mesmo, o verbo "amar" está no passado, ela morreu ao dar à luz. Não que ele me culpe, mas acho que prefere viajar como um louco a ter que passar mais do que um dia ao meu lado.

Meus pais eram pessoas felizes. Seu casamento de quatro anos era perfeito, mas minha mãe queria muito ter um filho, e isso foi um erro. A gravidez foi horrível. Até onde sei, ela passou mais de cinco meses na cama, mal podia se mover. Resumindo: matei minha mãe aos poucos. Para piorar, meu pai queria um menino... Ele é um cara legal, engraçado quando quer, leal. Mas algo dentro dele se quebrou no dia em que nasci.

Passei a tarde arrumando a casa e tentando estudar, mas precisava relaxar um pouco. A vantagem de morar em frente a um bosque municipal é poder ler debaixo das árvores em um dia quente, então aproveitei o calor e fiz exatamente isso. Quando leio me perco no tempo, e me perder era algo que estava precisando.

Uma vez Ana me perguntou por que eu gostava tanto de ler. Devo ter respondido algo como "sei lá", mas na verdade eu sabia. Gosto de ler porque a vida nos livros é melhor do que a minha.

Já devia ser umas sete horas da noite, mas como ainda havia sol por causa do horário de verão, não me preocupei muito com o fato de estar ficando tarde. Resolvi que não havia mal algum ler mais um ou dois capítulos. Mas aí é que mora o perigo, um leitor é como um viciado, ele nunca consegue parar no "um ou dois capítulos". Então, acabei lendo o livro todo e quando ergui meus olhos, minha bunda formigava e a lua estava brilhando, definitivamente meu pai iria me matar! Isso porque hoje à noite ele voltaria de viagem.

Guardei o meu exemplar do livro Luxúria, do autor Diego Lobo, e peguei minha bolsa. Me apressei em sair do bosque; o fato da minha árvore preferida ser bem no meio dele não ajudou muito. Comecei a ouvir passos, ou melhor, folhas sendo pisoteadas. Um medo enorme tomou conta de mim; me senti fraca, estava há horas sem comer e essa carga de adrenalina repentina não estava ajudando. Me escondi atrás de uma árvore e esperei os passos se afastarem, mas eles fizeram o contrário, estavam cada vez mais próximos.

Podia jurar que era mais de uma pessoa. Senti vontade de vomitar, meu coração estava a mil e vi alguém se aproximar de moletom e capuz, cabeça abaixada. Aquilo me deu tristeza, estranho, o medo tinha ido embora.

Não tinha nada ali comigo para ser roubado, mas a gente ouve histórias de que fazem coisas bem piores com meninas em bosques. O sujeito veio se aproximando; eu estava com medo, mas agora era um medo normal, aquele que havia sentido há pouco quase tinha me feito entrar em um colapso nervoso. Estava triste, infeliz e não conseguia entender o motivo, era para estar sentindo pânico.

O Último BeijoOnde histórias criam vida. Descubra agora