Para Maria Eunice seria mais uma noite comum afundada nas cobertas sendo absorvida pelo Netflix. Contudo o destino, Deus, a Eletropaulo, ou quem quer que tenha sido o responsável por aquele apagão, decidiu que seria diferente.
Assim que tudo apagou Maria soltou um gritinho. Sempre tivera medo do escuro. Não pense que nossa protagonista é a diva corajosa e organizada que sabe exatamente onde encontrar uma vela ou lanterna numa situação como essa. Muito pelo contrário. Eunice era a diva bagunceira, atrasada e comilona. Eu, se fosse o leitor, não me apeteceria com as aparências. Não importa se ela é magra, gorda, normal, alta, baixa, mediana, nariz pontudo, de batata ou reto. Não importa. Eunice é quem você quiser. Ela pode ser até você.
Voltando ao ponto: Maria deu gritinho. Tateou loucamente em busca do celular ligou a lanterna (essa ela sabia encontrar). Respirou fundo duas vezes. Fechou e abriu os olhos três, só para ter certeza de que aquilo estava acontecendo.
Ela não se lembrava quando fora a última vez que presenciara um apagão. Talvez ainda fosse criança e morasse com a mãe e os irmãos. Talvez tenha sido mês passado. Ela realmente não se lembrava.
Maria levantou do sofá e foi até a janela. A cidade toda estava no breu. Ela pensou então até quando ficariam assim e qunatas horas de Netflix perderia. Ia começar a contar o prejuízo quando suas batidas fortes ecoaram da porta, a a tirando de sua matemática louca.
Se arrastou até a porta e a escancarou (sim, não se passava pela cabeça de Maria Eunice que poderia ser qualquer um agora que os portões automáticos perderam seu poder).
Era a pessoa que morava do seu lado direito. Não, não era um vizinho gostosão meio marrento e carente querendo alguém para enfrentar o apagão (essas coisas não acontecem). Era a Dona Elena, uma senhora de 69 anos que adotou 6 gatos depois que o marido morreu ano passado.
- Olá, Maria. Eu trouxe essas velas para você pois imaginei que estaria no escuro. Aqui, pegue. Preciso voltar, ou meus queridos botarão fogo na casa. De verdade.
E sumiu tão rápido quanto apareceu. Dona Elena, sim, era a diva corajosa e organizada capaz de encontrar velas e lanternas no escuro.
Eunice decidiu ignorar o pensamento que martelava em sua cabeça de "como uma senhora de quase 70 anos poderia prever que eu não encontraria uma vela sequer? Seria eu tão simplória e previsível?"
Como eu disse, Eunice ignorou esse pensamento. Acendeu umas velas e as espalhou pela casa. A luz dourada clareou suavemente o ambiente.
Maria parou por um segundo e pensou no que faria a seguir. Decidiu dormir (sim, com as velas acesas), mas sua mente não conseguia parar nem por um segundo. Ficava indo da D. Elena com as velas ao que faria amanhã no trabalho (se fosse trabalhar, já que dependia de eletricidade para isso (trabalhar e ir trabalhar)).
Pensou então em tudo que poderia pensar. Fazia tempo que Maria não ficava sozinha com ela mesma. Quando nao estava correndo de um lugar para o outro na rotina corrida, estava atolada em vidas que não eram nem nunca seriam a dela nem a de ninguém.
Era assustador estar só consigo mesmo, constatou depois de alguns segundos nossa nossa protagonista covarde. Nesses momentos de escuro e silêncio, Eunice era obrigada a admitir para si coisas que não queria. Como que a culpa não era dela, mas que também era, ou que ela deveria pedir desculpas e perdoar (os outros e a si mesma (principalmente a si mesma)), parar de ser tão exigente quando nem ela não poderia dar conta, ou que ela não podia prever o futuro, ou que devia ligar mais para seus pais.
É, com certeza isso assustava Maria Eunice.
Ainda mais no escuro.
Ela cogitou pegar o vinho guardado no armário. Ficar de porre poderia ser uma boa. Ia contar até três e levantar da cama.
Um.
Dois.
Três.
...
Um.
Doi-
E fez-se a luz.
Os olhos de Maria se abriram no mesmo instante que os sons da vida - da sua vida - voltaram. A luz primeiro queimou seus olhos. Confortável. Conhecida.
Num pulo feliz Eunice foi para sua sala. A TV dava seus sinais. Definitivamente Maria abriria o vinho agora.
Com a garrafa em mãos ela encarou a TV. Nela havia a mensagem "Deseja continuar de onde parou?". Por um segundo, Maria imaginou que o destino, Deus, a Eletropaulo, ou quem quer que fosse, queria lhe dizer alguma coisa. Talvez aquela fosse a deixa para Maria mudar as poucas coisas da sua vida que estavam a seu alcance. Ou talvez fosse bosta nenhuma.
Maria Eunice, contudo não queria mudar. Daquele jeito era melhor. Vazio, mas confortável e conhecido.
Logo nossa diva bagunceira, atrasada e comilona estava agendada nas cobertas sendo absorvida pelo Netflix.
Eu sei que disse que a noite seria diferente. E foi.
Ao invés de 5 horas seguidas das vidas que não eram a sua, foram só 4. Maria dormiria mais cedo, acordaria mais cedo, não se atrasaria. Esse era o plano pelo menos. Até mandou uma mensagem para sua mãe.
Para Maria Eunice aquela seria mais uma noite comum. Mas graças ao destino, Deus, a Eletropaulo, ou quem quer que fosse, não foi.
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Obrigado pela atenção se você leu até o final <3
Deixe um comentário dizendo alguma coisa para mim (pode ser até um 'oj')•.•
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Maria Eunice, a diva
القصة القصيرةPara Maria Eunice seria mais uma noite comum afundada nas cobertas sendo absorvida pelo Netflix. Contudo o destino, Deus, a Eletropaulo, ou quem quer que tenha sido o responsável por aquele apagão, decidiu que seria diferente. Conto de um capítulo...