5. Portas Abertas

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- Depressa, baixote, diga o que aprontou!

- Já disse que as portas caíram! Não foi minha culpa! Eu só esta-

Guinchos preencheram o ambiente. Atravessando o vazio deixado por uma das portas, uma turba de ratos encharcados surpreendeu a todos e correu freneticamente pelo lugar, metendo-se em frestas e buracos. Meldeau pisou e chutou os que se aproximaram demais.

- Ei, um deles entrou em minha roupa! Sai, Sai!

- Deixe de bobagem, baixo-

Uma ratazana enorme voou de uma das pernas da calça do halfling e chocou-se contra o peito do anão. Atabalhoado, ele tentou martelá-la, mas errou o golpe. Antes que pudesse tentar novamente, os roedores desapareceram tão repentinamente quanto surgiram.

Taldor bufou, ignorando um sorrisinho amarelo de desculpas. Encarou os três novos vãos nas paredes. Como as portas tombaram tão facilmente? Aquela situação não lhe agradava. Com o canto do olho, ele notou que o meio-drow parecia compartilhar de sua preocupação.

- Ei, tive uma ótima ideia! - disse alguém nem um pouco preocupado. - As portas estão abertas, estamos todos acordados... Que tal explorarmos um pouco o lugar? A tempestade não parece perto de acabar e sabe-se lá o que podemos encon-

- Já esqueceu o que te disse, baixote? Os mortos não apreciam profanadores de tumbas!

- Ora, os mortos não apreciam nada!

Meldeau apanhou sua lamparina.

- Eu digo que não há nada a temer deste lugar. Que tal começarmos por...

Uma brisa fria soprou como uma lamúria através do vão central.

- ...aquela passagem ali?

Ignorando o arrepio nos pés, ele afastou-se para um dos vãos laterais e o atravessou, sem esperar pelos outros.

****

Meldeau seguiu por um corredor estreito. Parando à entrada de uma câmara, escutou o rumor de chuva, o som da própria respiração e mais nada. A luz indistinta mal iluminava, como se absorvida pela escuridão.

A vida de viajante errante proporcionava experiências interessantes. Exploraria uma tumba pela primeira vez na vida! Aquele pensamento provocou um sorriso. Finalmente, ele poderia descobrir a veracidade de tudo o que já ouvira sobre tais lugares!

Uma corrente de ar estremeceu a chama da lamparina e as sombras assumiram formas estranhas. Repentinamente, as palavras do anão ecoaram em sua mente. Sombras dos mortos. Sentiu seus pés arrepiarem e o sorriso vacilar.

Então veio um sopro à nuca:

- Tolo!

Virou-se instintivamente, certo de que toparia com algum morto ressurreto.

Topou com Rhístel.

- Tumbas podem ser locais perigosos, Mel.

O halfling suspirou aliviado por um instante, e então indagou:

- Perigoso? Mesmo? Você acredita que os mortos podem...

- Há muito mais a temer do que os mortos.

- Como a rabugice de um anão desconfiado?

O meio-drow sorriu.

- Precaução nunca é demais, nisto ele tem razão.

Meldeau não se mostrou convencido. Olhou de esguelha para a câmara próxima e de volta para o amigo, então inclinou ligeiramente a cabeça. O outro sorriu novamente. A curiosidade do pequenino era uma adversária difícil de subjugar.

A lamparina iluminou uma saleta empoeirada. Nada havia ali além de uma sombra que se erguia defronte à entrada. Rhístel pôs-se de lado para avaliar melhor o local, mas seu companheiro afoito foi de encontro à sombra, que se revelou ser um sarcófago de pedra. Entalhada ali havia uma figura encorpada e peluda, com mãos e pés repletos de garras. Algo na cabeça, porém, parecia destoar do restante da escultura: não havia pelos ou presas, mas inúmeros tentáculos. Curioso, o halfling tentou iluminá-la melhor.

Uma sombra se moveu, reagindo à luz. Um guincho funesto ecoou.

Rhístel buscou a origem do som e um brilho de reconhecimento assomou em seus olhos ao notar um par de asas de morcego se alongar e duas chamas vermelhas se acenderem entre elas. Meldeau gritou e tropeçou. Antes de atingir o chão, ele viu a estranha cabeça com tentáculos voando em sua direção!

****

Deixado sozinho no escuro, Taldor buscava um modo de bloquear novamente as três passagens. Com o martelo de batalha preso sob o aperto firme de sua mão, ele correu os olhos pelo lugar, mas não encontrou nada que pudesse servir como barricada - as portas de pedra tinham se despedaçado com a queda. Bufou ao perceber que não tinha alternativa a não ser lidar com a situação.

- Gorm me carregue se tiver que me abrigar noutra cova como esta!

Ignorando uma familiar (e incômoda) vibração nos tímpanos, ele se aproximou do vão central e usou sua visão privilegiada, mas tudo o que enxergou foi um corredor comprido. De soslaio, notou as passagens laterais, demorando-se naquela por onde o halfling e seu companheiro seguiram.

O anão estava taciturno. Desconfortava-o saber que se abrigara numa tumba construída por uma raça que desprezava, mas isto não era tudo. Havia algo errado naquele lugar. Algo sobrenatural.

Um silvo terrível ecoou à distância.

Taldor hesitou. Teriam os estranhos encontrado mais do que esperavam ou seria uma armadilha? Ouviu gritos estridentes e o som de metal contra pedra. Sorriu ao pensar que ambos mereciam estar em apuros e cogitou deixá-los à própria sorte. Contudo, se algo acontecesse aos dois, então ele teria de lidar sozinho com os perigosos que aquela tumba tinha a oferecer. Suspirando pesadamente, ele apertou o cabo do martelo e rumou na direção dos sons de batalha.

****

Caído próximo ao sarcófago, Meldeau tentava compreender o que acontecera. O que voara em sua direção? Não conseguira ver direito! Sentiu o ar batendo sucessivamente contra seu rosto...

Pairando sobre ele havia uma cabeça de feições distorcidas e demoníacas, de pele amarronzada. As orelhas eram pontiagudas e o nariz miúdo contrastava com a bocarra repleta de dentes. Inúmeros tentáculos pendiam como tranças vivas da testa proeminente, e duas longas asas de morcego batiam freneticamente de cada lado. Um par de olhos vermelhos brilhava como brasa.

O halfling desejou fugir do horror alado, mas estava paralisado. Ao notar que o guincho sombrio ainda retumbava em seus ouvidos, ele soube que estava sob algum efeito sobrenatural. Desesperado, fez a única coisa que podia: gritou e gritou!

Certa de que sua vítima estava indefesa, a criatura voou de encontro ao meio-drow.

Compreendendo de imediato o que acontecera ao companheiro, Rhístel sacou seu florete para se defender. Por sorte, ele resistira ao poder paralisante de alguma forma. Com uma expressão irada, a cabeça o atacou. Por três vezes ele tentou atingi-la, mas esta sempre desviava com um ágil bater de asas. Então ela afastou-se para um ponto além do alcance de sua arma e o encarou com um sorriso maléfico.

Iluminado parcamente pela lamparina caída ao chão, o ser monstruoso abriu a bocarra num urro silencioso; lá de dentro seu hálito emanou como uma névoa fétida e avermelhada. Rhístel sentiu-se atordoado. A visão grotesca lhe drenou qualquer vontade de resistir. Prendendo a respiração, ele concentrou-se nos olhos vermelhos, o suor escorrendo em sua têmpora escura.

A criatura investiu num rasante. Aguardando até o último instante, quando a cabeça estava frente a frente com a sua própria, o meio-drow varou-a de baixo a cima com um movimento ágil e preciso do florete. As chamas demoníacas se extinguiram, asas e tentáculos penderam sem vida. Num ato de puro reflexo e nojo, Rhístel atirou seu florete com a cabeça ainda empalada para o outro lado da sala.

Recostando-se na parede, inspirou profundamente para recuperar o fôlego. Foi então que ouviu o som de passos pesados ecoando pelo corredor próximo e viu a figura atarracada do anão entrando na câmara.

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