Capitulo I

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"Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio."
William Shakespeare

Lágrimas.

Isso foi tudo o que restou. As pessoas se foram, a cortina se fechara, e ali no auditório, cercada por milhares de cadeiras vermelhas e um calor claustrofóbico, sobrara apenas Julieta junto de suas lágrimas. O fato de já ter assistido aquelas mesmas cenas milhares de vezes, já deveriam tê-la tornado insensível para tais, mas muito pelo contrário, cada vez que ouvia as falas já tanto conhecidas, lágrimas rolavam de seu rosto, e ela não as conseguia controlar.

Passou a mão em seu rosto, retirando qualquer vestígio de seu choro recente. Levantou-se de seu assento com sua mochila em suas costas. Apesar do calor que estava ali dentro, envolveu seu pescoço com um cachecol azul, escondendo as marcas que ali se encontravam.

Quando saiu do teatro, sentiu uma brisa leve que perpassou por seus longos cabelos ruivo avermelhados, levantando-os levemente. Olhou uma última vez pra trás, e foi inevitável ver as grandes letras garrafais que brilhavam em neon, com os dizeres "Romeu e Julieta - Somente essa noite". Até aquele dia, Julieta nunca havia entrado naquele lugar, mas quando viu que sua peça favorita estava em cartaz uma última noite, não pode resistir. Com os poucos trocados que tinha, comprou um ingresso, e apesar de pouco lhe ter restado, ela de nada se arrependia.

Sentiu o frio se intensificar, então decidiu andar para poder se esquentar.

A rua a esta hora da noite estava deserta, e poucos estabelecimentos se encontravam abertos. Não se preocupou em andar com pressa, seu destino ainda não estava decidido, então enrolou o máximo que podia, aproveitando seus últimos instantes ali. Permitiu que seus pensamentos vagassem, esquecendo do mundo ao seu redor, apensas fazendo curvas aleatórias, sem se importar onde poderia parar, pois todas as ruas da cidade já lhe eram conhecidas. O ponto de ônibus mais próximo estava a alguns quarteirões, fazendo as contas em sua mente, percebeu que poderia pegar um ônibus até a cidade mais próxima, e ainda lhe sobraria algum dinheiro para tomar um café.

Perdida entre números e rotas, acabou por tropeçar em uma pedra no caminho, mas antes que pudesse se espatifar no chão, sentiu braços fortes agarrarem em sua cintura, e estabiliza-la novamente. Pousou seus olhos sob o rosto do homem a sua frente e percebeu o quão abalado ele parecia. Sua gravata pendia desamarrada em seus ombros, seu terno aberto e amarrotado. Seus olhos vermelhos evidenciavam que chorara recentemente, e os lábios finos se moviam formando palavras, que até então Julieta não prestara atenção.

- Você ta bem? - Henry questionou. Notou o quão fixo a garota em sua frente o olhava, o que já começava a assusta-lo.

- Claro. Sinto Muito, estava distraída - respondeu Julieta, e de forma impulsiva prosseguiu - Você não parece muito bem, aceitaria tomar um café comigo? Talvez eu possa ajudar.

O homem deu uma gargalhada que aos ouvidos da moça soaram como uma melodia, mesmo sabendo que ela saiba que ele podia estar rindo dela.

Henry ficou alguns minutos rindo, até perceber que a garota estava realmente falando sério. Percebeu que seus olhos cor de avelã fitavam-no, aguardando uma resposta. Sardas cobriam seu nariz e bochecha, e seu corpo magro e frágil faziam ela parecer uma criança indefesa.

- Não acho que tomar um café com uma estranha vá me ajudar. - retrucou.

- Não, o café não vai ajudar, mas uma conversa sim, o café é apenas um acompanhante - respondeu Julieta, que dentro de si almejava que o rapaz fosse com ela a cafeteria. A necessidade súbita de uma companhia a assustou, a solidão a muito se tornara uma grande amiga, sendo completamente dispensável a companhia de seres humanos.

- Bom, presumindo que a senhorita esteja carente de atenção e necessitando de uma companhia, sim aceitarei seu convite - finalizou Henry, e a garota pode notar um brilho divertido em seu olhar, um rastro do sorriso que a alguns minutos iluminou seu rosto.

- Não estou carente de atenção! - exclamou a garota, e Henry contemplou seu rosto ficando vermelho como um pimentão. Julieta, emburrada com a afirmação do homem, revidou - Mas sei que o senhor quer muito minha companhia, por isso terá que voltar atrás em sua palavra, se não prosseguirei em meu caminho.

- O que a faz pensar que desejo sua companhia? - Julieta ficou em um silêncio, o que fez com que Henry presumisse que a garota não sabia ao certo o que responder, então, se dando por vencido disse - Eu não quero passar o resto da noite sozinho, então se quer tanto me fazer companhia, tudo bem.

Uma voz na mente de Henry o repreendeu rudemente por ter aceitado conversar com uma completa estranha, cujo o nome ele desconhecia, mas ignorou-a. Sabia que vagar sozinho pela rua de nada adiantaria, e a chance de encontrar ela novamente era quase nula, ou seja, sabia que seus segredos estariam bem guardados.

O rapaz admirou o sorriso travesso que cresceu no rosto de Julieta, que com sua mão pequena e delicada, agarrou o braço dele, e saiu a puxa-lo pela calçada, correndo desenfreada, fazendo com que Henry tropeçasse várias vezes pelo caminho.

JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora