Quem observasse Aurélia naquele momento, não deixaria de notar a nova fisionomia que tomara o seu belo semblante e que influía em toda a sua pessoa.
Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza, dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes olhos pardos brilhavam as irradiações da inteligência.
Operava-se nela uma revolução. O princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do homem.
Nessas ocasiões seu espírito adquiria tal lucidez que fazia correr um calafrio pela medula do Lemos, apesar do lombo maciço de que a natureza havia forrado no roliço velhinho o tronco do sistema nervoso.
Era realmente para causar pasmo aos estranhos e susto a um tutor, a perspicácia com que essa moça de dezoito anos apreciava as questões mais complicadas; o perfeito conhecimento que mostrava dos negócios, e a facilidade com que fazia, muitas vezes de memória, qualquer operação aritmética por muito difícil e intrincada que fosse.
Não havia porém em Aurélia nem sombra do ridículo pedantismo de certas moças que, tendo colhido em leituras superficiais algumas noções vagas, se metem a tagarelar de tudo.
Bem ao contrário, ela recatava sua experiência, de que só fazia uso, quando o exigiam seus próprios interesses. Fora daí ninguém lhe ouvia falar de negócios e emitir opinião acerca de cousas que não pertencessem à sua especialidade de moça solteira.
O Lemos não estava a gosto; tinha perdido aquela jovialidade saltitante, que lhe dava um gracioso ar de pipoca. Na gravidade desusada dessa conferência, ele, homem experiente e sagaz, entrevia sérias complicações.
Assim era todo ouvidos, atento às palavras da moça.
- Tomei a liberdade de incomodá-lo, meu tio, para falar-lhe de objeto muito importante para mim.
- Ah! muito importante?... repetiu o velho batendo a cabeça.
- De meu casamento! disse Aurélia com a maior frieza e serenidade.
O velhinho saltou na cadeira como um balão elástico. Para disfarçar sua comoção esfregou as mãos rapidamente uma na outra, gesto que indicava nele grande agitação.
- Não acha que já estou em idade de pensar nisso? perguntou a moça.
- Certamente! Dezoito anos...
- Dezenove.
- Dezenove? Cuidei que ainda não os tinha feito!... Muitas casam-se desta idade, e até mais moças; porém é quando têm o paizinho ou a mãezinha para escolher um bom noivo e arredar certos espertalhões. Uma menina órfã, inexperiente, eu não lhe aconselharia que se casasse senão depois da maioridade, quando conhecesse bem o mundo.
- Já o conheço demais, tornou a moça com o mesmo tom sério.
- Então está decidida?
- Tão decidida que lhe pedi esta conferência.
- Já sei! Deseja que eu aponte alguém... Que eu lhe procure um noivo nas condições precisas... Hã!... É difícil... um sujeito no caso de pretender uma moça como você, Aurélia? Enfim há de se fazer a diligência!
- Não precisa, meu tio. Já o achei!
Teve o Lemos outro sobressalto que o fez de novo pular na cadeira.
- Como?... Tem alguém de olho?
- Perdão, meu tio, não entendo sua linguagem figurada. Digo-lhe que escolhi o homem com quem me hei de casar.