Filho de um empregado público e órfão aos dezoito anos, Seixas foi obrigado a abandonar seus estudos na Faculdade de São Paulo pela impossibilidade em que se achou sua mãe de continuar-lhe a mesada.
Já estava no terceiro ano, e se a natureza que o ornara de excelentes qualidades lhe desse alguma energia a força de vontade, conseguiria ele vencendo pequenas dificuldades, concluir o curso; tanto mais quanto um colega e amigo, o Torquato Ribeiro lhe oferecia hospitalidade até que a viúva pudesse liquidar o espólio.
Mas Seixas era desses espíritos que preferem a trilha batida, e só impelidos por alguma forte paixão, rompem com a rotina. Ora, a carta de bacharel não tinha grande solução para sua bela inteligência mais propensa à literatura e ao jornalismo.
Cedeu pois à instância dos amigos de seu pai que obtiveram encartá-lo em uma secretaria como praticante. Assim começou ele essa vegetação social, em que tantos homens de talento consomem o melhor da existência numa tarefa inglória, ralados por contínuas decepções.
Continuando a carreira de empregado público, que lhe impunha a necessidade, Seixas buscou para seu espírito superior campo mais brilhante e encontrou-o na imprensa.
Admitido à colaboração de uma das folhas diárias da Corte em princípio como simples tradutor, depois como noticiarista, veio com o tempo a ser um dos escritores mais elegantes do jornalismo fluminense. Não diremos festejado, como agora é moda, porque nesta nossa terra os cortejos e aplausos rastejam a mediocridade feliz.
O pai de Seixas deixara seu escasso patrimônio complicado com uma hipoteca, além de várias dívidas miúdas. Depois de uma difícil e morosa liquidação, com que a viúva achou-se embaraçada, pôde-se apurar a soma de doze contos de réis, afora uns quatro escravos.
Partilhados estes bens, D. Camila, a mãe de Seixas, por conselho de amigos, pôs o dinheiro a render na Caixa Econômica, donde ia tirando os juros semestrais, com que acudia aos gastos da casa, ajudada dos aluguéis de dois escravos e também de algumas costuras dela e das duas filhas.
Fernando quis concorrer com seu ordenado para a despesa mensal, mas tanto a mãe, como as irmãs, recusaram. Sentiam elas ao contrário não poder reservar alguma quantia para acrescentar aos mesquinhos vencimentos, que mal chegavam para o vestuário e outras despesas do rapaz.
No geral conceito, esse único filho varão devia ser o amparo da família, órfã de seu chefe natural.
Não o entendiam assim aquelas três criaturas, que se desviviam pelo ente querido. Seu destino resumia-se em fazê-lo feliz; não que elas pensassem isto, e fossem capaz de o exprimir; mas faziam-no.
Que um moço tão bonito e prendado como o seu Fernandinho se vestisse no rigor da moda e com a maior elegância; que em vez de ficar em casa aborrecido procurasse os divertimentos e a convivência dos camaradas; que em suma fizesse sempre na sociedade a melhor figura; era para aquelas senhoras não somente justo e natural, mas indispensável.
Durante que Fernandinho alardeava nas salas de espetáculos, elas passavam o serão na sala de jantar, em volta do candeei-ro, que alumiava a tarefa noturna. O mais das vezes solitárias; outras acompanhadas de alguma rara visita, que as freqüentava no seu modesto e recatado viver.
O tema da conversa era invariavelmente o ausente. Não cansavam nunca os elogios. Cada uma comunicava sua conjetura sobre a realização de certos desejos e esperanças; pois desde essa época se acostumara Fernandinho a fazê-las confidentes de seus menores segredos.
Se aquela de quem tanto gostava o rapaz estaria no baile; se lhe concederia a contradança predileta, a quarta, que se reserva para o escolhido, pela razão não somente de ser a infalível, como de dançar-se no momento da maior animação; se o Fernandinho conseguiria enfim dar-lhe a entender sua paixão, e como receberia a moça essa declaração; tais eram as graves preocupações dessas três criaturas, que privadas de toda a distração, trabalhavam à luz da candeia para ganhar uma parte do necessário.