Problemas

138 9 4
                                    

Estava em um daqueles dias ferrados em que tudo dá errado. Logo pela manhã meu diretor cobrou-me o cumprimento das malditas metas econômicas. Eu estava abaixo. Bem abaixo, é melhor dizer. E já era o terceiro mês consecutivo. A culpa era da crise mais do que minha, mas como argumentar? Banco quer números, resultados. Ou você rende o que eles querem, ou é carta fora do baralho. Ademais, meus colegas continuavam apresentando números positivos. Como é que os filhos da puta conseguiam? Não dava para entender. O mercado estava travado. Todos os jornais diziam isso, e o preço das mercadorias em qualquer loja comprovava. O comércio em geral reclamava de queda nas vendas. Havia demissão em tudo quanto era canto. Só eu tinha dois amigos desempregados. Então como é que aqueles filhos duma égua conseguiam que seus clientes desembolsassem alguma coisa em investimentos, seguros, ações ou – o mais bizarro de tudo – títulos de capitalização?

Eu estava cabisbaixo. Comia de má vontade um sanduíche de mortadela quando Martha, minha velha amiga, chegou agarrando-me pela gravata.

- O que há com você, bonitão? Faz bem uns quinze dias que não te vejo sorrir.

Suspirei fundo e engoli o bocado que tinha acabado de mastigar. Apontei para meus relatórios de desempenho e ela analisou superficialmente os números.

- Xii.. você está com problemas...

- Não era para todos nós estarmos? Ou só eu estou vendo uma crise lá fora?

- Acho que todos nós estamos vendo uma crise lá fora, mas provavelmente só você pensa nela na hora de empurrar mercadorias para os clientes.

- Como assim?

- Você fica com pena, não fica? Quer dizer, quando você tenta vender um seguro ou capitalização, por exemplo, e o cliente diz que está apertado, que as coisas estão difíceis, você se coloca no lugar dele e desiste, não é?

- Mas as coisas estão difíceis!

- Mas se não espremermos ficarão mais difíceis ainda! Greg, estamos numa guerra, ok? Não há tempo para misericórdia. É você ou ele. É disso que se trata. Quando está vendendo algo para um cliente você está salvando sua alma. Está comprando leite para sua filhinha.

- Sou solteiro, Martha, você sabe bem disso.

- Modo de dizer. Sua filhinha, sua mãezinha doente ou simplesmente o aluguel daquele apartamentozinho da zona leste que você chama de casa. Pense no que for preciso para insistir. Não aceite um não. Convença seu cliente. Não importa o quanto ele chore, aponte-lhe com uma oportunidade de ficar milionário. Diga que o prêmio da capitalização já saiu nessa agência várias vezes. Conte que você quase foi sorteado.

- Eu não tenho capitalização!

- Pois compre uma! Já vai melhorar um pouquinho suas metas. Se nem pra você é capaz de vender, como quer se dar bem no banco? Quer estar na próxima lista de demissão, Greg? Tem um monte de gente querendo essa vaga de gerente.

Ela tinha razão. Era óbvio que ela tinha razão. Seu tailleur bem cortado em contraste com meu terno barato demonstrava isso. Havíamos começado juntos na agência. Então estava claro quem era o fracassado aqui.

- Obrigada pelos conselhos, Martha. Vou tentar, juro que vou.

O resto do sanduíche me deu enjoo. Não me sentia capaz. O que esperavam de mim era o papel de crápula, na minha opinião. Meu olhar rodou pela agência analisando meus colegas. Caçavam clientes como caça mosca. Como conseguiam agir de jeito tão vil e ainda dormir tranquilos? Eu realmente não me sentia capaz. Mas era preciso tentar. Martha tinha razão quanto a estar na próxima lista de cortes.

Apesar da conversa e das orientações de minha experiente colega as coisas não iam bem. O início da tarde já batia nas vidraças da agência e eu ainda não tinha vendido nada. Então, de um jeito bem inesperado, Martha chegou à minha mesa e se abaixou para sussurrar algo em meu ouvido. Tinha um ar sério, urgente.

- Olha aqui, Greg, estou realmente preocupada com você. Estou disposta a te ajudar, mas você vai ter que me ajudar também, ok?

- Ok, sussurrei de volta, nervoso.

- Tenho uma cliente importante daqui a pouco, só que preciso dar uma saída. Surgiu um imprevisto – e sorriu maliciosamente quando falou isso.

- Não me diga que vai se encontrar com...

- Shhhh...

- No meio do expediente?

- Fale baixo! Quer que me peguem no flagra? Sei o que estou fazendo! E ainda por luxo isso vai ser bom pra você. Ela é rica, Greg. Rica, não, milionária. O pai tem váááárias fazendas em Goiás além de empresas no Rio e em São Paulo. Dá pra imaginar? É muito diferente desses pobretões que você atende normalmente. Ela vem discutir sua carteira de ações. Ouça bem, Greg, vou passar a conta dela pra você. Vou te colocar como meu supervisionando, você sabe que posso fazer isso, não é? Ela está vindo para investir dinheiro, então faça-a investir o máximo possível e suas metas vão bater lá no topo antes do dia acabar. Está me entendendo?

- Perfeitamente e nem sei como te agradecer! Qualquer coisa que ela compre já melhora minha situação.

- Trate-a bem, Greg. Ela é rica, ouça-se mimada e mandona. Engula quantos sapos forem precisos. Se ela gostar de você nunca mais terá que se preocupar com suas metas. Gerenciar a conta de Gabrielle Rosenthal é o sonho de qualquer um nessa agência. Se ela gostar de você passo a conta para seu comando, ok?

- Vai me dar a conta de sua melhor cliente?

- Minha não, a melhor da agência. Como acha que bato minhas metas com tanta facilidade? E sim, queridinho, farei isso como um favor especial a você. Tenho outros clientes ricos e você está à mingua. Considere isso uma grande prova de amizade.

Tive vontade de beijá-la naboca! Quem mais faria isso por um amigo? Perdi a fala, emocionado, e observeiMartha saindo imponente da agência.    

O GerenteOnde histórias criam vida. Descubra agora