Pergaminhos de Sextans - vol. I

Os Quatro

   A propriedade da Família Tradicional de Sextans ficava perto dos limites norte da cidade. Por sobre uma colina que assomava acima do nível do mar, toda a cidade era observada por uma construção gigantesca de três andares, assentada com pedras amarelas que, segundo as histórias, eram feitas com a luz do Sol. Toda a mansão era uma bendita exposição da mais intrincada e esplendorosa arquitetura.

Assim como os outros cômodos da casa, a sala de jantar era absurdamente alta e arejada, com enormes vitrais coloridos nas paredes e pilastras redondas que iam do chão em mosaico ao teto entralhado com cenas da Reconquista. Além da mesa no centro ocupada por três pessoas, nenhum outro móvel estava à vista.

- É ótimo que você finalmente tenha voltado, pai - Artemísia comentou. - Nove meses é muito tempo para se ficar longe de casa. Gostaria que Caesar estivesse aqui também.

Asper Shahdi, embora já tivesse certa idade, continuava com a aparência forte e saudável. Tinha bigodes, os ossos da face salientes e a pele negra. Kali, por ser de Sóthis, tinha a pele bem mais clara e mantinha os cabelos negros e lisos devidamente tonalizados, sem nenhum resquício grisalho, ao contrário do marido. Era, ainda, mais jovem que ele, mas rugas já podiam ser há muito vistas ao redor dos olhos e nas linhas da boca.

- Ele lamenta muito que não vá poder assistir a cerimônia de Solenidade, - Asper respondeu - mas promete uma visita o mais cedo possível. Eu também gostaria muito que estivéssemos os quatro reunidos, mas as circunstâncias não nos permitem; alguém precisava ficar em Ilya. Além disso, Caesar está cuidando de certos assuntos que, mais cedo ou mais tarde, serão de suma importância.

- Não o culpo por ter ficado, sei muito bem das diversões que Ilya proporciona e a dificuldade de deixá-la. É um ótimo lugar, e teria eu mesma feito uma visita a vocês no inicio do ano, não fosse os estudos na Universidade.

- A situação na Universidade não nos permitiu essa visita - Kali completou. - Havíamos planejado tudo, mas além de Artemísia estar ocupada com os estudos, Cepheus solicitou minha companhia para um projeto.

- Não gosto desse Cepheus - Asper resmungou pela milésima vez na vida. - Nunca irão tirar da minha cabeça que ele só conseguiu se tornar Alto Preceptor por causa dos seus colegas, principalmente por causa da colega que estudava Ciências Naturais. Não é mesmo, querida? - Kali sorriu e estendeu a mão para acariciar os dedos longos do marido. - Ártemis dará uma Alta Preceptora mil e uma vezes melhor.

- Concordo - Mãe e filha responderam juntas. 

- Sabe, - o pai começou - durante muito tempo acreditei que seria você, Artemísia, que herdaria o legado da família. Afinal de contas, esse foi um dos motivos para levá-la em tantas viagens desde cedo. Você estava mais preparada do que qualquer um dos descendentes Shahdi que já estiveram e seria uma das melhores diplomatas que já tivemos, se não a melhor. Já Caesar... Caesar é mais jovem que você. O que lhe sobrava em vontade, faltava em experiência. Ele nada conhecia da República quando comecei a levá-lo nas viagens e estava demasiadamente acostumado com a proteção do seio materno, mas ele progrediu bastante desde então e já se sente a vontade para tomar essa posição. Ao menos é o que parece.

- Sou extremamente grata por todas as nossas viagens e tudo que aprendi nelas, tanto com você, quanto com terceiros, e sei que se tenho alguma chance de me tornar Alta Preceptora é por causa disso. Não posso negar que você está certo no que diz: minha preparação era realmente a mais indicada e completa. Entretanto, não me arrependo das minhas escolhas. Tenho certeza que Caesar dará um ótimo diplomata, você não tem com o que se preocupar. Ensiná-lo-ei uma ou duas coisas a mais se for preciso. Sempre o fiz e não deixarei de fazê-lo.