Pergaminhos de Sextans - vol. I

A Escolha de Artemísia

    O Salão Cerimonial resplandecia como se recém-construído. As paredes esplendorosamente altas eram brancas e com acabamentos dourados, e tinham padrões entalhados e figuras de mulheres e homens com asas que se projetavam para fora. Dezenas de lustres pendiam de uma cúpula de vidro que mostrava a noite caindo e as estrelas surgindo. Os móveis de madeira estavam tão envernizados que brilhavam à luz de velas e o tapete vermelho sobre o chão em mosaico lembrava assustadoramente um córrego de sangue sobre a neve.

   Quando o sino do Templo da Mãe tocou ao longe, os alunos e seus familiares, os professores e Os Quatro já se encontravam no salão cerimonial. Os professores organizaram os alunos juntamente com seus familiares nas diversas mesas quadradas no centro do salão. Como de costume, Valentin e Samin estavam lado a lado.

- Achei que quando esse dia chegasse você estaria todo nervoso, e eu, tranquila - ela disse. - Mas esta acontecendo justamente o contrário. Pergunto-me se não estou me valorizando demais e, portanto, me iludindo ao ter tanta certeza de que serei escolhida. Talvez seja muito precipitado de minha parte.

- Sinceramente? Não vou nem responder essa pergunta, porque você já sabe a resposta - Valentin disse.

- Filha, você não tem motivo algum para ficar nervosa. Seu amigo está certo: você sabe que vai ser escolhida. Apenas espere, sim? - o pai de Samin tentou tranquilizá-la.

- Se algo der errado, saibam que vão ter que secar as minhas lágrimas.

- Se algo der errado, você ainda tem um futuro brilhante pela frente. Não é qualquer um que estuda na Universidade. Vai poder trabalhar com mil e uma coisas; sairá ganhando de qualquer maneira.

Valentin tentou sorrir para apoiar a amiga. Saiu uma careta. Embaixo da mesa, a mãe segurou-lhe as mãos que se remexiam sem parar e lhe deu um olhar complacente.

- Ouça o pai de Samin, - ela sussurrou - ele sabe o que está falando. Não é qualquer um que estuda na Universidade.

Ele tentou assentir de forma convicta, mas não conseguiu. O pai se apoiou na mesa para poder ver o filho e falar-lhe. Com a voz baixa, disse:

- Onde está aquela garota que você falou? Artemísia, não é?

- Ela devia estar lá, - apontou para a mesa ao lado da mesa dos professores - junto com aqueles três garotos. Mas ela é da Família Tradicional de Sextans, creio que chegará junto com os pais. - Ele concordou e voltou a posição normal.

   Os pais de Valentin eram um casal já com seus mais de cinquenta anos. Tinham a pele queimada do sol e os braços fortes de trabalhar nas plantações. Naquele dia trocaram as roupas simples e opacas pelas que tinham comprado ali na cidade; a mãe usava um vestido de corte reto azul-escuro, enquanto o pai usava calça preta e camisa branca de linho com sapatos engraxados. Nunca os tinha visto tão arrumados. Ele estava parecido com o pai, mas usava um colete azul por cima da camisa. Ao lado, Samin e os pais estavam ricamente vestidos. As vezes esqueço que sua posição social é muito mais elevada que a minha, ele pensou.

- Aí vem eles - Samin disse.

Todos os burburinhos no salão cessaram quando as enormes portas de madeira incrustadas com ouro se abriram.

   Primeiro entraram as Famílias Tradicionais. Os senhores de Perses, com seus rostos astutos pintados, cabelos presos por cordões de algas e roupas ornamentadas com conchas e prata. Os senhores da Otília, elegantes e simpáticos, com cabelos loiros emoldurando rostos pálidos e roupas grandes e coloridas com rendas. Os senhores de Lessa, com corseletes de couro e manoplas sobre roupas tão rudes e cinzentas quanto eles. E a de Sextans, com a pele morena, os cabelos escuros e as cores quentes, combinando assim com a sua natureza. As Famílias de Macan, Andreani, Sóthis e Kenbak poderiam ser facilmente confundidas em sua simplicidade.