Estudos e observações

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Aquela manhã fria marcava o fim do inverno e o inicio do último semestre na Universidade. Os últimos resquícios de neve caiam dos telhados e derretiam no gramado, mas o vento continuava a rodopiar pela copa das árvores e ameaçava derrubar a Torre de Observação - como se aquilo fosse possível. A Torre de Observação, assim como todas as outras construções da Universidade, havia sido projetada pelo próprio Capricus de Órion, portanto sua base era reforçada com camadas e mais camadas de magia natural dos Elementais; nunca cairia.

Valentin apressou o passo, levantou o capuz sobre a cabeça, fechou os últimos botões do seu poncho surrado e o apertou contra o corpo. Mesmo que o traje fosse grosso, sentia as mãos gélidas embaixo dele. Ainda não havia se acostumado com o inverno de Sextans. De onde vinha, o Sol sempre queimava a pele e aquecia o corpo; em Macan, o verão nunca acabava. Mas não sentia falta do lugar, de qualquer forma: passou lá tempo o suficiente para cansar-se. Macan era um estado rural que ficava na fronteira norte do país, perto das entradas-sul do Grande Deserto. Em alguns pontos do estado, podia-se avistar os enorme picos da Cordilheira Vermelha que separava o Grande Deserto do Mar de Kent. Valentin achava que até poderia gostar de Macan se tivesse nascido em uma das cinco cidades, mas morar a vida toda em um vilarejo com menos de trinta pessoas e quilômetros infinitos de plantações de arroz não o fizeram ter o melhor dos sentimentos pelo lugar, de maneira alguma.

Naquela manhã, como em todas as outras manhãs de inverno, só conseguira se animar a sair da hospedaria depois de três xícaras de café quente,mas enquanto caminhava pelas ruas desertas da cidade em direção a Academia da Universidade, sentia o corpo pedir por mais horas de descanso. As últimas duas semanas haviam sido de férias para os alunos, mas não para ele. Valentin havia treinado o corpo todas as manhãs e praticado com suas armas todas as tardes, reservando somente as noites para descanso; noites que muitas vezes eram aproveitadas com livros de mestres militares e estrategistas. Por baixo do poncho conseguia sentir os músculos das pernas retesados e os cortes nos nós dos dedos ameaçando abrir, mas ele não reclamava: sabia que aquilo não era nada mais do que o resultado de seus esforços. Naquele momento, não podia ser dar o luxo de descansar tanto e dormir mais do que as horas que lhe eram necessárias: os dois anos iniciais dos estudos na Universidade estavam acabando, o que significava que logo as quatro equipes remanescentes seriam escolhidas.

Um vulto de cabelos loiros e curtos se postou do seu lado e acertou o passo com ele. Era Samin.

- Bom dia para você também - ela disse.

- Bom dia, Samin

- Você não acha que precisa me dizer algo?

- Sim, peço desculpas, mas não tive condições de comparecer ao Ocidente ontem.

Os dois haviam se conhecido no primeiro dia na Universidade, durante o banquete de boas-vindas, e desde então eram amigos próximos. Enquanto Valentin vinha de um ambiente totalmente rural, Samin vinhada cidade principal da Otília, lugar onde as famílias sentavam-se o dia inteiro em suas mansões cor de marfim, bebendo vinho e deixando empregados fazerem o seu trabalho.

- Desculpas aceitas, - Samin disse. - Mas se quer saber, acho que só deve desculpas a você mesmo. Ficar treinando e estudando dia e noite não faz bem; você precisa mesmo parar um pouco com tudo isso.

- Entendo isso e mais, mas o fim do ano esta se aproximando e nós sequer sabemos como será a seleção. Preciso estar preparado para o que vier.

Samin segurou-o pelo braço e os dois pararam no meio do pátio.

- Você sabe que ficar nervoso por causa disso não vai ajudar em absolutamente nada.

- É fácil pra você falar sendo a primeira em praticamente todas as matérias - e tendo uma casa maravilhosa, em uma cidade maravilhosa, além das melhores oportunidades de vida e pais que te apoiam em tudo, completou mentalmente.

Pergaminhos de Sextans - vol. IOnde histórias criam vida. Descubra agora