IV. Quebrado

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A casa estava no mais perfeito silêncio.

Mesmo que silêncio não quisesse dizer paz.

Depois da rejeição verbal que Louis havia sofrido quando tentou beijar o dono, Harry decidiu que era melhor, para os dois, que o Puppet dormisse no quarto ao qual pertencia. Aquela história de estarem dormindo juntos estava dando as ideias erradas ao pequeno que já não possuía muito discernimento pelo simples fato de ter um sistema integrado ao cérebro.

Consequentemente, naquela noite fria de inverno, ambos estavam tendo um sono perturbado. O Styles tinha lapsos de inconsciência. Dormia por alguns minutos, depois acordava pelo dobro do tempo. Ao contrário do pequeno de olhos de gato, que não conseguia dormir absolutamente nada, já que para seu sistema ser desligado, Harry já tinha de estar inerte há algum tempo. Sempre que Louis estava perto de conseguir adormecer...

Seu dono acordava e ele despertava novamente.

Foi num desses momentos de instabilidade do Styles que alguma coisa começou a dar realmente errado. Chegou com um som estranho vindo da porta da sala, que não chamou muito atenção de nenhum dos dois residentes da casa. Depois foram os passos, que tentavam ser silenciosos, mas que pareciam pertencer a alguém pesado demais para isso.

Louis levantou-se da cama, andando descalço e na ponta dos pés, tentando entender o que estava acontecendo. Abriu uma fresta da própria porta, vendo um homem corpulento andando à luzes apagadas em direção ao quarto de Harry. Algo dentro do Puppet pareceu apitar. Um aviso insistente de que não deveria ignorar aquilo.

-Quem é você? - Indagou, saindo de trás da porta e postando-se no meio do corredor.

A reação do assaltante foi automática. Ele não queria matar ninguém, mas também estava longe de deixar um menino baixinho e mirrado impedi-lo de levar alguma coisa de valor que houvesse ali. Se o garoto estivesse dormindo como deveria estar, poderia ter ficado intacto, sem nenhum arranhão. Era um assaltante afinal, não um assassino.

Virou o taco de baseball na mão, empunhando-o com mais firmeza milésimos de segundos antes de vertê-lo na direção do rosto do Puppet, que numa tentativa falha de se defender, virou o rosto para o outro lado, deixando como alvo a nuca exposta. Louis não gritou. A inconsciência veio automaticamente, levando o corpo pequeno primeiramente para frente, fazendo com que seu rosto batesse na parede branca, antes de escorrer para o chão.

O segundo golpe veio de graça, acertando os ombros do menino apenas para ter certeza de que ele ficaria no chão. Sangue escorria pela testa cortada de Louis, mas isso não era nem de longe o maior dos problemas do pequeno.

Nesse momento, talvez, se Harry tivesse o mesmo sistema de reconhecimento de emoções do Puppet, poderia ter acordado e impedido não só que vários objetos de valor fossem furtados de sua casa, como também poderia não ter largado o corpo inerte no chão durante toda a noite.

• •

-Eu encontrei ele de manhã... - Murmurou com a voz embargada de quem tinha passado a tarde toda chorando. -Alguém invadiu o apartamento durante a noite, não sei como. Várias coisas minhas foram roubadas, mas eu não ouvi nada. Ele nem gritou... - Afundou as mãos no rosto, como se a culpa o corroesse de dentro para fora. -Se eu não tivesse proibido ele de dormir comigo, isso...

-Não, sem autoflagelação, ok? - Zayn cortou o pranto do amigo, sentando-se ao lado dele na ponta da cama que abrigava o corpo do rapaz ainda inerte, que havia tentado impedir o assalto da noite anterior. Passou os braços pelos ombros do mais novo, envolvendo-o num abraço firme. -Você nunca imaginou que mandar ele dormir no próprio quarto ia fazer ele se machucar. Isso está muito longe de ser culpa sua.

Apesar do tratamento terrível que o moreno tinha em relação à Liam, ele ainda era um excelente amigo. Alguém com um bom coração por baixo de todas as camadas de superioridade estampadas em sua expressão.

-Zayn. - Chamou Liam, que estava debruçado sobre o outro boneco, cuidado dos ferimentos dele com a delicadeza de uma mãe preocupada. -Senhor, o sistema dele foi danificado...- Murmurou como se estivesse declarando uma sentença de morte. O pesar estampado na voz.

-E o que isso quer dizer? - Indagou o Styles, erguendo os olhos para Zayn, por saber que o Puppet só falaria se recebesse permissão para isso.

-Que você tem que mandá-lo de volta para a PuppetsLine. Você tem garantia de dois anos. - Deu de ombros, como se não estivesse muito preocupado com o assunto.

-Vão consertá-lo lá?

-Liam, explica porque eu não entendo da parte burocrática. - Mandou o moreno, com um sinal de mãos.

-Vão recolher as informações genéticas dele e colocá-lo numa câmara de gás para cessar suas funções biológicas, depois num incinerador, para que reste apenas as cinzas. Por fim, irão fazer um clone dele para o senhor. Demora mais ou menos dois meses para que receba seu novo Puppet. - Disse como se o mero pensamento de todo aquele processo o arrepiasse todo.

-Vão matá-lo?! - Exaltou-se, levantando da cama, com os olhos arregalados. -Não! Não, sem chance!

-Harry, ele é só um boneco. Vão fazer outro! - Zayn tentou colocar a cabeça do amigo no lugar, mas tudo que conseguiu foi um olhar enojado do outro.

-Boneco o caralho! Olha pro Liam! Olha no fundo dos olhos dele depois de você comê-lo no banheiro da faculdade e me diz, do fundo do seu coração que acha que ele não sente nada! Que ele não se incomoda! Eles sentem! Só não... Não dá pra saber o que vem deles e o que vem do sistema deles. - E a cada palavra, apontava para o adolescente que havia se encolhido num canto do quarto, como se estivesse sendo pressionado pelas palavras do maior. O rosto contorcido num quase choro.

-Quer saber, Harry? Se vira! A gente tenta ajudar, mas só recebe ignorância. Fica aí com o Puppet quebrado ou seja lá o que você vai fazer. Foda-se! - Exasperou-se, puxando o braço de Liam para fora da casa do amigo, sem dizer mais nenhuma palavra. O Styles também não fez nada para impedir, como se acreditasse que era melhor assim.

Sentou-se novamente, exausto, ao lado do garoto inconsciente que agora tinha uma atadura no pescoço e outra na testa. Ambas ligeiramente machadas de vermelho. Segurou a mão fria de Louis como se buscasse uma luz... Uma resposta sobre o que deveria fazer.

Não obteve nada.

• •

Os olhos de gato só foram abrir, confusos, quando a noite já era alta, enfeitando o céu de poucas estrelas - devido à poluição - com uma lua encoberta por uma camada desagradável de negrume, como se o astro lutasse para alcançar os seres humanos que haviam se enfiado numa bolha de destruição ambiental.

Harry acompanhou cada movimento das pálpebras tremulantes que não sabiam se ficavam abertas ou permaneciam fechadas.

-Lou? - Murmurou, querendo ver se os olhos iriam focá-lo, se ele estaria respondendo aos chamados. E responderam, fixando-se nele um segundo antes de o garoto sentar-se bruscamente na cama, um grito preso na garganta enquanto levava ambas as mãos à nuca.

O maior se desesperou, tentando segurar o corpo frágil, querendo ajudá-lo de alguma forma, qualquer forma, mesmo sem saber como.

-O que você está sentindo? Lou?

-Eu não sinto você! - A frase foi desesperadora o suficiente para que Harry quase fosse às lágrimas. Ele tinha perdido a sensibilidade? Como assim?

-O que quer dizer com isso, pequeno?

-Eu não sei o que você está sentindo! Eu estou... Com raiva! Eu... Eu não deveria estar sentindo nada disso! Me ajuda! - Pediu à beira das lágrimas que estavam numa luta contra a gravidade, querendo precipitar dos olhos arregalados.

Foi então que o Styles entendeu...

Louis estava se desconectando do próprio sistema.

O Inverso do Perfeito {l.s}Onde histórias criam vida. Descubra agora