2º Capítulo

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Quando me estendeu a mão, seus olhos se desviaram de mim. Seus dedos quentes e ásperos envolveram minha mão, mas você não a sacudiu. Apenas ergueu uma das sobrancelhas, percebi o que você queria.

"Louis" eu disse sem pensar. Você maneou a cabeça como se já soubesse. É claro que já sabia.

"Onde estão seus pais?"

"Já foram para o portão, estão me esperando lá" nervoso, acrescentei "Eu disse que não iria demorar, só queria tomar um café." um dos cantos de sua boca se levantou e vi você rir um pouco.

"Quando sai o avião?"

"Dentro de uma hora, mais ou menos"

"E para onde vai?"

"Vietnam" você pareceu impressionado. Sorri para você, pela primeira vez, eu acho "Minha mãe sempre vai lá. Ela é curadora, uma espécie de artista que coleciona quadros ao invés de pintar" não sei porque me senti obrigado a explicar. Costume, eu acho, por causa das garotas da escola que vivem perguntando coisas.

"E seu pai?"

"Ele trabalha na cidade, é corretor de valores"

"Terno e gravata então?"

"Por aí, toma conta do dinheiro dos outros, uma coisa muito chata, não que ele ache chato." Senti que estava começando a tagarelar e tomei um gole de café para manter a boca ocupada.

Enquanto bebia, observei um filete de suor escorrer de seus cabelos. Não poderia ser o calor, a saída do ar condicionado estava diretamente acima de nós. Seus olhos dardejavam para outros lados, nem sempre conseguiam encarar os meus. O nervosismo fazia você parecer tímido, e me fazia gostar mais de você. Mas alguma coisa referente a você flutuava na minha memória.

"Então" você murmurou "O que quer fazer? Arranjar um emprego como o do seu pai? Viajar com a sua mãe?" dei de ombros

"É o que eles gostariam, mas não acho que seja para mim, não sei"

"Nada muito interessante?"

"É, talvez. Quer  dizer, eles só colecionam coisas. Papai coleciona o dinheiro dos outros. O que eles fazem que seja realmente deles?" olhei para outro lado.

Eu detestava falar sobre o emprego dos meus pais. Nós viemos conversando sobre o trabalho da minha mãe no vôo de Londres até aqui. Ela matraqueava sem parar a respeito das pinturas que pretendia comprar em Vietnam. Era a última coisa que eu queria discutir naquela hora.

Você riu para mim de novo, meio ofegante, equilibrando a colherinha no polegar como que por mágica. Eu matutava se deveria estar sentado ali com você. Mas era estranho, eu sentia que poderia lhe contar qualquer coisa. Provavelmente teria contado, se minha garganta não estivesse tão apertada. Muitas vezes desejei que tudo aquilo tivesse terminado naquele momento, com você sorrindo e eu tenso.

Olhei ao redor para ver se meus pais estavam me procurando, embora soubesse que não fariam isso. Deveriam estar felizes diante do portão, lendo jornais que tinham trazido, tentando parecer inteligentes. Aliás, para mamãe vir me procurar seria como admitir uma derrota na discussão sobre as minhas roupas. Mas dei uma olhada em volta, assim mesmo. Gente, gente por toda a parte.

Um enxame de rostos anônimos se arrastava lentamente até o balcão de bebidas. Os rangidos e zumbidos das máquinas de café. Os gritos estridentes das crianças pequenas. O cheiro de eucalipto da sua camisa de botões. Tomei um gole de café.

"O que a sua mãe coleciona?" você perguntou atraindo a minha atenção com a sua voz macia.

"Cores, principalmente. Pinturas com temáticas de prédios, formas. Já ouviu falar de Rothko? Mark Rothko?"  você franziu a testa  "Bem, é esse tipo de coisa. Acho muito pretensioso, aqueles quadros intermináveis."

Eu estava tagarelando de novo. Fiz uma pausa e olhei para a sua mão. Estava sobre a minha. Deveria estar ali? Você estaria tentando me paquerar? As meninas da escola jamais fizeram coisa parecida. Enquanto eu olhava, você levantou a mão rapidamente, como se tivesse acabado de perceber que ela estava lá

"Desculpe" você deu de ombros, mas havia um brilho em seus olhos que me fez sorrir "Acho que estou um pouco tenso"

Você abaixou a mão de novo e a posicionou ao  lado da minha, a alguns centímetros de distância. Se eu movesse meu dedo mindinho poderia tocá-la. Mas notei que não usava aliança de casado, nem nenhuma outra jóia.

"O que você faz?" perguntei "Você já não deve estar mais na escola"

Eu me encolhi de vergonha depois de dizer isso. Nós dois sabíamos que isso soava ridículo. Você era visivelmente mais velho que qualquer um dos meus amigos da escola. Já tinha corpo de adulto e mais autoconfiança que qualquer garoto que eu conhecia, inclusive eu.

"Acho que de certa forma, eu também sou artista" disse "Mas não pinto quadros. Viajo um pouco, faço jardinagem, construções...Esse tipo de coisa"

Assenti como se tivesse entendido. Eu queria perguntar o que é que você estava fazendo ali, comigo, se eu já havia visto você antes. Queria saber por que você estava interessado em mim.

Eu não era idiota, era fácil perceber que eu era muito mais novo que você. Mas não perguntei nada. Estava nervoso, suponho, e não queria que você mentisse pra mim. Acho que me senti um adulto, sentado ali, bebendo o café que havia acabado de me pagar.
Talvez eu não parecesse tão jovem realmente, pensei. Talvez você é que parecesse velho para a sua idade. Quando você olhou pela janela, afastei minha franja que caía sobre a testa e mordi meus lábios rapidamente, num ato quase imperceptível.

"Eu nunca estive em Vietnam" você disse

"Nem eu. Eu gostaria de visitar os Estados Unidos."

"É mesmo? Todas aquelas cidades? Aquelas pessoas?"

Seus dedos estremeceram quando você olhou para minha franja que caíra novamente em minha testa. Com a intenção de recolocá-la no lugar, você se debruçou sobre a mesa, mas hesitou.

"Desculpe. Eu..." murmurou, sem conseguir terminar a frase, corando um pouco nas bochechas.

Seus dedos tocaram minha têmpora, pude sentir a aspereza deles. Minha orelha ficou vermelha quando você roçou nela. Você deslizou os dedos até o meu queixo e o levantou com o polegar, então olhou para cima como se estivesse me estudando sob a luz artificial da lanchonete. Quer dize, realmente olhou para mim, com olhos que pareciam duas estrelas. Foi assim que você me capturou no aeroporto de Bangkok. Como se eu fosse uma pequena mariposa atraída pela luz. E eu de fato me senti como uma mariposa, preso em uma rede, agitando inutilmente entre as asas enquanto você me atraía para si

"Você não gostaria de visitar a Austrália?" você perguntou

Eu ri um pouco. Mas você falou de um jeito muito sério, em seguida, afastou os dedos do meu rosto.

"Claro" dei de ombros, sentindo falta de ar "Todo mundo quer ir lá"

Stolen  l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora