4° CAPÍTULO

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"Eu não estuprei você."

Agarrei o lençol, girei a cabeça. Tentei encontrar você. Meus olhos ainda não enxergavam direito. Você estava atrás de mim, eu podia ouvir você. Tentei me arrastar para a beira da cama, para longe de você, mas meus braços, sem força, começaram a tremer e me deixaram cair sobre os lençóis. Meu sangue latejava dentro de mim. Eu quase conseguia ouvir meu corpo despertando e começando a funcionar. Tentei falar alguma coisa, mas só consegui dar um gemido. Minha boca estava encostada no travesseiro. Ouvi você dar um passo.

"Suas roupas estão ao lado da cama"

Estremeci ao ouvir sua voz. Onde você estava? A que distância? Abri os meus olhos um pouco, não foi muito difícil. Ao lado da cama, sobre uma cadeira, vi uma calça jeans nova, cuidadosamente dobrada. Meu casaco não estava junto dela, nem meus sapatos. Em vez deles, sob a cadeira, havia um par de botas de couro marrom. Com cadarços, práticas, mas não eram minhas.

Ouvi você caminhando em minha direção. Tentei me encolher, tentei me afastar. Senti tudo pesado, lento, mas meu cérebro funcionava e meu coração batia acelerado. Eu estava num lugar ruim, isso eu sabia, só não sabia como tinha chegado lá, nem o que você fizera comigo.

As tábuas do piso rangeram mais algumas vezes. Senti o medo subir até a garganta. Uma calça cargo, azul marinha, parou à minha frente. Meus olhos estavam à altura do tecido entre os joelhos e a virilha, à altura das manchas de terra que havia ali.

Você não falou nada. Ouvi minha respiração acelerar, agarrei o lençol. Obriguei meus olhos a olharem para cima até ver seu rosto. Por um segundo, fiquei com falta de ar. Não sei porque, mas eu meio que esperava ver outra pessoa. Não queria que o indivíduo parado ali, ao lado da cama, fosse o mesmo que eu achara tão atraente no aeroporto. Mas era você mesmo quem estava lá: olhos verdes, cabelos castanhos e a pequena cicatriz. Só que, desta vez, você não parecia bonito, apenas maligno.

Seu rosto estava impassível. Seus olhos verdes pareciam frios e seus lábios, finos. Puxei o lençol o máximo possível, deixando apenas os olhos descobertos, observando você. Meu corpo estava rígido e enregelado. Você ficou parado ali, esperando que eu falasse, esperando perguntas. Quando não as foram feitas, você respondeu mesmo assim.

"Eu trouxe você pra cá" você disse "Você está enjoado por causa do efeito das drogas. Vai se sentir estranho por algum tempo, respiração difícil, vertigens, náuseas, alucinações..." seu rosto rodava enquanto você falava.

Fechei os olhos. Minúsculas estrelas giravam por trás das pálpebras. Ouvi você se movendo na minha direção, se aproximando, tentei falar

"Por quê?" sussurrei

"Tive que fazer isso"

A cama rangeu e meu corpo se ergueu um pouco quando você sentou no colchão. Eu me afastei. Tentei empurrar as pernas para o chão, mas elas não me obedeciam. O mundo inteiro parecia girar em torno de mim. E eu estava prestes a ser engolfado no turbilhão. Virei a cabeça para o lado, sentindo vontade de vomitar, mas não vomitei. Encolhi as pernas. Meu peito estava apertado demais para que eu chorasse.

"Onde eu estou?"

Você fez uma pausa antes de responder. Ouvi você respirar fundo e dar um suspiro. Ouvi o roçar das suas pernas quando mudou de posição. Percebi que não conseguia escutar ruídos além dos seus.

"Você está aqui" você disse "Você está seguro."

Não sei por quanto tempo mais eu dormi. É um período enevoado, como se fosse um pesadelo confuso. Acho que a certa altura você me deu comida e me fez beber água. Mas não me lavou. Sei disso porque quando acordei novamente, eu estava fedendo. Também estava molhado de suor, com a camiseta grudando em mim. Eu precisava urinar.

Fiquei deitado, à escuta. Meus ouvidos se esforçavam para ouvir alguma coisa. Mas estava tudo em absoluto silêncio, estranhamente. Não ouvi nem os ruídos que você fazia, não havia sons de pessoas, nem barulho de tráfego, nem o zumbido distante de uma rodovia, nem o ronco de um trem. Só havia o quarto e o calor. Testei meu corpo, levantando cuidadosamente uma perna, depois a outra, balançando os dedos dos pés. Meus membros não pareciam tão pesados agora e eu me sentia mais desperto.

Tão silencioso quanto pude, ergui meu corpo e olhei ao redor. Você não estava no quarto, só eu. Eu, a cama de casal onde eu estava, uma mesinha de cabeceira, uma cômoda e a cadeira com a calça jeans. Tudo era de madeira, tudo muito simples. Não havia quadros nas paredes. À minha esquerda, vi uma janela coberta por uma leve cortina. Estava claro lá fora. Era dia, quente. À minha frente, havia uma porta fechada.

Fiquei imóvel por alguns momentos, tentando escutar você. Depois me arrastei até a beira da cama. Sentia a cabeça rodopiar, como se meu corpo fosse despencar, mas consegui. Agarrei-me à borda do colchão e obriguei-me a respirar. Percebi que estava segurando a respiração. Cuidadosamente, pus um pé no chão, depois o outro. Coloquei meu peso sobre eles e aprumei meu corpo, apoiando a mão na mesinha de cabeceira. Minha visão escureceu um pouco, mas me pus de pé. Fechei os olhos e fiquei à escuta. Não ouvi nada.

Estendi a mão, peguei a calça e me sentei na cama para vesti-la. Parecia apertada, pesada e grudava na minha perna. O botão apertou minha bexiga, aumentando minha necessidade de urinar. Não me preocupei com as botas, faria menos barulho se estivesse descalço. Dei um passo em direção à porta. O chão era de madeira, como tudo era, e frio. Havia, frestas entre as tábuas, que deixavam entrever um espaço escuro abaixo. Minhas pernas estavam tão duras quanto as tábuas. Mas acabei chegando a porta. Puxei a maçaneta. Estava escuro do outro lado. Quando meus olhos se ajustaram, vi um longo corredor, madeira novamente, com cinco portas, duas à esquerda, duas à direita e uma no final. Todas fechadas.

Stolen  l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora