Capítulo 5

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     O palácio estava lotado de aristocratas da corte real kosoviana. Por conta das ações da resistência nos últimos meses, a segurança havia sido reforçada e ninguém adentrava no palácio sem uma carta de aceitação. Os servos andavam de um lado para outro servindo bebidas e alimentos para todos. Naquela noite o rei ordenara que todos os aristocratas do reino fossem convocados para uma reunião no palácio. Ninguém sabia ao certo o motivo de tal convocação muito menos o teor do assunto que seria discutido mais tarde. Especulações sobre o que o rei declararia na reunião perambulavam pelos longos e frios corredores. O salão principal de reuniões ficava no segundo andar do palácio. Para se ter acesso a ele era necessário subir uma longa escada cruzando um corredor cuja lateral esquerda era envolta de janelas de onde era possível observar a cidade fora dos muros do palácio.

     O salão era preenchido pelos murmúrios de todos os presentes. Na extremidade oposta a porta de entrada, havia um trono robusto feito da madeira mais cara existente no reino e ao seu lado encontravam-se duas cadeiras majestosas, adornadas com a estampa mais exuberante possível, "digna da realeza" diziam. Em seu trono de madeira robusto como nenhum outro, o rei Gregorium III se endireitava estendendo a mão para que sessassem os murmúrios. Imediatamente todos no salão permaneceram em silêncio. Ouviu-se som de passos ao fundo, todos fizeram reverência, o príncipe e sua mãe adentravam na sala a passos largos assumindo seus assentos.

- Estais atrasados – o rei olhava com reprovação para o filho.

- Não culpes a mim, minha mãe não consegue se vestir rapidamente sem a ajuda de suas servas, que são muito lentas por sinal – retrucou o filho desviando o olhar do pai soltando um leve sorriso de canto em seus lábios.

- Não penses que podes fazer o que queres em meu palácio – disse o rei em tom ríspido – tu não és o rei, eu o sou, e, portanto, deveis obediência a mim. Se chegares atrasado novamente em minhas reuniões, não serei bondoso como estou sendo em permitir esse sorriso falso em seu rosto.

     O príncipe olhava atordoado para o pai. Gregorium III fora sempre um rei rude e áspero até mesmo com seu filho e sua esposa. Ele nunca demonstrara amor a ninguém. Como único herdeiro do trono, o pai o tratava com mais dureza e por várias vezes havia o ameaçado para exibir mais firmeza e se portar como um verdadeiro herdeiro do trono. O rei considerava as atitudes do filho como altamente maléficas a sua imagem como príncipe herdeiro do reino de Kosovo, o que nem sempre era uma mentira. Acostumado com os mimos cedidos por sua mãe, ele fazia o que bem queria, e tudo a seu tempo. As mulheres do reino se jogavam a seus pés devido a sua beleza e como recompensa ganhavam nada mais do que desprezo. Era famoso por realizar festas luxuosas no palácio onde se embebedava e aproveitava cada segundo visto que seu pai jamais participava de tais festas pois o mesmo reprovava veementemente. Mesmo assim, Gregorium III permitia tal liberdade, estava ciente de que, se ele quisesse ter o filho por perto para ensiná-lo a governar, deveria ser mais tolerante. Ainda assim, isso não o impedia de criar o filho com punhos de ferro. Os dois já haviam tido brigas e discussões terríveis onde até mesmo a mãe pensou que ambos sacariam suas espadas e se matariam em sua frente. Logo, o filho não teve outra opção a não ser abaixar a cabeça e ouvir atentamente a discussão da reunião.

- Recebemos uma mensagem nesta manhã, vinda das regiões próximas a montanha de Austin. – continuou o rei agora tirando os olhos do filho voltando-os para os aristocratas a sua frente.

– Há uma movimentação incomum de pessoas nas regiões, e tudo indica que se trata de integrantes da resistência. – os murmúrios saltaram pelo salão novamente, todos estavam surpresos pela localização dada a distância da fronte de batalha e o possível esconderijo. Além disso, as dificuldades de se aproximar da região montanhosa eram famosas.

- Nossas tropas teriam uma enorme dificuldade de atravessar o vale e atingir a montanha – disse o general Bradesc, homem alto e musculoso portador de cicatrizes pelo corpo as quais o lembravam de cada dura batalha enfrentada. – Nossos veículos não podem chegar até lá, é o lugar perfeito para se esconder. – completou.

     Todos se entreolharam. Queriam que a resistência fosse exterminada e essa tarefa se demonstrava mais difícil a cada dia que se passava. Nos últimos meses a resistência havia ganhado força e em muitas ocasiões conseguiram frustrar os planos do rei em algum ponto. Talvez o mais galardoador deles tenha sido a libertação de 500 escravos a caminho das minas de ferro em Matmura, o lugar mais sombrio de todo o reino de Kosovo. Rebeldes ou não, fossem eles prisioneiros de guerra ou simples camponeses que não agradavam ao rei, todos eram enviados para Matmura, forçados a trabalhar nas minas de ferro. Desde o início da guerra, ninguém jamais conseguira sair vivo daquele lugar.

- Uma de nossas legiões se encontram acampadas próximo a montanha. Ainda temos uma chance. Só precisamos atraí-los para fora das cavernas tempo suficiente para dividirmos suas forças e explodirmos o seu esconderijo. – Acrescentou o rei.

- Ótima idéia, vossa majestade. Estamos em posse de prisioneiros de guerra, camponeses que se recusaram a aderir as leis do império. Podemos usá-los como iscas. Tenho certeza que a resistência não irá ficar parada enquanto seus companheiros de luta são mortos um após o outro. – disse Bradesc. Sua experiência em batalhas permitiu que ele se tornasse um guerreiro fabuloso, no entanto, as guerras sangrentas que presenciara haviam transformado o seu coração em pedra, sem qualquer tipo de compaixão pelo próximo.

- Vejo que entramos em um acordo senhores. Todos sabem o que fazer. Invistam suas tropas. Até o final do mês, toda a resistência haverá sido destruída. – afirmou o rei se levantando do trono esbanjando um sorriso entre os lábios. Imediatamente todos os presentes no salão começaram a sair um após o outro.

     O príncipe olhava aturdido para o pai que agora conversava reservadamente com o general Bradesc. Ele sabia que naquele momento, o rei e seu fiel general estavam planejando calculista e friamente a morte de dezenas de pessoas. Por mais que o príncipe não demonstrasse preocupação alguma com civis e nem entrasse em contato com eles, ele não era frio a esse extremo. Seu coração doía e seu estômago embrulhava ao ouvir seu pai falar dos civis como se fossem meros peões em um jogo de tabuleiro que pudessem ser descartados quando quisesse. Isso era algo que ele não queria herdar de seu pai. Dada a sua condição de filho, e único herdeiro do trono somada a pressão de seu pai, o príncipe sempre se encontrava ao lado do rei em toda e qualquer situação, inclusive nas mais sórdidas possíveis. Ele respirava fundo, tentava voltar os seus pensamentos para outro lugar, para qualquer outra coisa, mas não conseguia parar de pensar nas vidas que seriam perdidas em dias. Por mais que ele sofresse, o príncipe manteria seus sentimentos guardados para si, não admitiria em seu coração o simples fato de estar chegando ao limite em relação a pressão por parte do rei. O príncipe caminhou para fora do salão de reuniões a passos lentos indo em direção ao largo corredor e suas estrondosas janelas. Agora parado olhando para a planície que se estendia do outro lado da cidade rumo as montanhas, ele não pode impedir que algumas gotas de lágrimas rolassem pelo seu rosto.

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