Prólogo ➷ Cats & Neighbors

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||P R Ó L O G O||

Minha mãe costumava dizer que eu era cético demais. Bem, eu acreditava em coisas como fantasmas e futuros zumbis, mas não acreditava em sorte, acaso, ou destino. Não até um sábado, onde Haru, meu gato, resolveu sumir.
Nos dias de semana, eu despertava geralmente com uma música barulhenta demais de alguma banda de hardrock que eu não fazia questão de decorar o nome. Era assim, de segunda até sexta. Mas nos sábados e domingos, a gritaria que soava do meu celular era substituída por miados e patinhas tocando meu torso. Raramente, eu tinha desentendimentos com o meu colega de quarto peludo, mas mesmo quando eu o repreendia por cuspir suas bolas de pelo nojentas na minha cama, ele pulava pela minha janela entreaberta de manhãzinha e me acordava, sempre subindo em cima de mim e miando perto da minha orelha, jogando na cara que era hora de eu acordar. Ás vezes, quando eu demorava demais para despertar ou simplesmente ficava encarando o teto de gesso branco, sem o dar atenção, o gato inventava de raspar as unhas em meus lençóis, só para que eu acordasse mais rápido para repreendê-lo.

Haru gostava de ter a atenção de todos. Não era do tipo de gato rabugento que odiava ser tocado; exceto pelas pessoas quais ele não gostava. Como a minha vizinha de setenta anos que gostava de assar cookies e trazer para a minha mãe, sempre suspeitei que ela deveria cuspir dentro deles, só para se vingar da vez em que meu pai pegou a vaga de carro antes dela no supermercado, na véspera de Natal, quando ás pessoas nada adiantadas iam comprar o que faltava para a ceia. Exceto pela Sra.Hwa e um garotinho de seis anos que jogara uma pedra nele, Haru se esfregava em todas as visitas que recebíamos. Ele se esquivava discretamente sobre os móveis e se esfregava nos calcanhares das pessoas, grande parte das vezes, enchendo a calça do visitante de pelos negros como a noite. Portanto, por mais que eu tivesse brigado com ele na noite anterior, ele voltaria de manhã, ou esgueiraria-se pela janela de madrugada e esperaria que o relógio marcasse 9 da manhã para subir em cima de mim e despertar-me.

Porém, naquele sábado, eu não acordei com o som melodioso dos miados de Haru e muito menos com suas patinhas desfilando sobre mim, cogitei que talvez, eu tivesse acordado mais cedo que o normal. Mas quando bati meus olhos sobre os números fosforescentes do relógio em cima da minha cabeceira, minhas entranhas pareceram contrair-se, quase esmagando umas às outras. Eu mal havia acordado e já me encontrava atordoado com um turbilhão de pensamentos negativos sobre o suposto desaparecimento do meu gato. Me levantei da cama de forma tão afobada e rápida que me senti ligeiramente tonto e quase tropecei. Depois de esfregar os olhos e me sentir mais desperto, varri o quarto com os olhos na esperança de encontrar Haru. Nada. Ele não estava lambendo suas partes íntimas em cima da minha camiseta preferida que eu costumava deixar passada em cima da escrivaninha, só para me provocar, e também não estava mijando perto da porta só para se vingar por eu tê-lo xingado.

- ChangKyunnie. - A voz estridente demais da minha mãe soou alta do primeiro andar. Talvez, tivesse escutado todo o barulho que causei ao quase cair. - Venha almoçar.

Desci, mesmo ainda estando em choque porque não fui acordado da maneira mais prazerosa possível, com o animalzinho que eu mais amava no mundo ronronando sobre mim. Eu não era do tipo sentimental - ou pelo menos, não aparentava ser -, mas sentia uma vontade enorme de chorar naquele momento. E essa vontade só cresceu quando eu vi o espaço na mesa que meu pai costumava ocupar, vazio. O almoço fora tão silencioso, só com o tilintar dos talheres e o ruido do aparador de grama dos vizinhos, e eu me encontrava em um estado mental deplorável. Minha mãe mal suspeitava o quão eu estava abalado por dentro só pelo sumiço repentino de um gatinho, e nem queria ver o escândalo que faria quando contasse a ela. Desde o começo, quando meu pai trouxe Haru na véspera de natal pra casa, há dois anos atrás, minha mãe odiava gatos. Mas depois de tanto tempo de convivência com ele, passou a amá-lo tanto quanto eu.

Quando o almoço acabou, eu resolvi contar pra minha mãe que Haru não aparecia desde ontem. Ela ficou quieta e depois disse que ele apenas deveria ter ido dar uma volta, e que gatos eram assim; sumiam, ficavam às vezes até um mês sem voltar para casa, e quando queriam, retornavam com a maior cara de pau.
De tarde, sem minha mãe saber, gastei metade da minha mesada que ganhava por cortar a grama, com fotos de Haru e um "procura-se" destacado em vermelho, junto ao meu telefone. Depois eu passei em uma locadora de filmes e aluguei os mais tristes que tinham. O resto do dia baseou-se em soluçar com filmes tristes, enquanto encarava o meu telefone em forma de carro - que era extremamente infantil para um garoto de 18 anos -, esperando que alguém ligasse e dissesse que estava com Haru. Eu estava tão deplorável, com os olhos inchados e o nariz escorrendo, que ficaria com vergonha da pessoa que viesse entregar o gato.
Quando ouvi o barulho da campainha e minha mãe gritando para que atendesse, quase virei um flash e corri até o banheiro, lavando o rosto e me livrando de todo aquele aspecto horrível de quem deveria estar vegetando na cama. Desci as escadas enquanto esfregava os olhos, ensaiando uma desculpa por estar assim, caso fosse algum conhecido.

Minha encenação foi por água abaixo quando um garoto de cabelos extremamente exóticos e olhos puxados demais, estava no vão da porta. Ele era pálido e tinha bochechas um tanto quanto fartas, alguns fios de cabelo vermelho caindo sobre sua testa. Suas bochechas eram tão arredondadas e fofinhas que me lembrava massa de pão. Tinha uma cesta de madeira em mãos, um pano de prato a cobrindo. Na semana passada, enquanto jantavamos, minha mãe avisou que teríamos novos vizinhos, e era típico dos pais mandar os filhos entregarem cestas com comida para os velhos moradores.

- Oi. - Ele sorriu, fazendo com que seus olhos sumissem entre suas bochechas. Meu deus, tudo bem que eu também era asiático, mas ele conseguia enxergar algo com aquela tirinha de olhos?

"Eu acho que isso é seu." Estendeu a cesta envernizada em minha direção. Franzi o cenho. Aquele garoto sem dúvida não deveria ter treinado nenhum diálogo como: "meus pais mandaram eu entregar isso aos vizinhos. Espero que nos recebam bem."

Quando eu peguei a cesta, sorrindo para ele afim de passar uma impressão amigável, e puxei a toalha, olhando para o interior dela, senti aquela vontade de chorar me abater em cheio novamente. Uma bola de pelos preta estava ali, ronronando enquanto dormia. Senti meu corpo amolecer, quase come se fosse se transformar em um pudim e derreter ali mesmo.

- Haru. - Eu murmurei com a voz trêmula, parecendo uma garotinha que havia acabado de ganhar a barbie médica. Eu ainda lembro de quando minha irmã mais velha ganhou a barbie, ficou dias chorando de felicidade. E chorou 10x mais quando o cachorro do vizinho comeu o braço dela. Minha expressão não deveria estar muito diferente da dela. Peguei o animalzinho da cesta quase como se ele fosse um fino papel, e o abracei tão forte que fiquei com receio de esmagá-lo. Depois de segundos choramingando e esfregando meu rosto em seu pelo, reparei que o garoto ainda estava ali, rindo de minha reação.

- Quem eu devo agradecer? - Perguntei, enquanto sorria amigavelmente e estendia minha mão para ele.

- JooHeon. Lee JooHeon. - Respondeu, apertando minha mão.

E assim, começa a história onde cupidos podem na verdade, serem gatos, e não crianças loiras que andam por aí nuas com arco e flecha em mãos.

Black Cat ✺ MonstaXOnde histórias criam vida. Descubra agora