Histórias Assombradas

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SETE ANOS

Por sete atormentados anos tenho passado tido este pesadelo. Minha cabeça, atônita, permanece cercada por pensamentos indizíveis, vontades questionáveis, medos aterrorizantes. Sete anos e nada muda. Sete anos e eu, o que é ainda mais assustador, continuo com o mesmo sentimento daquele tempo.

Tudo começou numa tarde de abril. Não me recordo como aconteceu, mas sei que ela apareceu na minha vida. Sei que aqueles olhos penetraram nos meus, aquele sentimento aqueceu meu coração, mas não pude fazer nada. Chega a ser indescritível o modo como me senti, indefeso, envolto num sentimento diferente, pelo qual jamais havia passado. Talvez por causa disso ignorei a sensação de que isso poderia me fazer algum mal, pois poderia esquecê-la (quisera eu) na manhã seguinte. No entanto, ao chegar em casa naquela noite, tive a impressão de que havia sido seguido. Ao longo do caminho, ouvia passos, sentia a brisa tocar meu rosto e tinha a sensação de que alguém falava comigo, sussurrava em meus ouvidos. Não me lembro de ter sentido nada além de calafrios e um certo frio na espinha.

Em casa, ao preparar o jantar, ouvi um barulho na porta. Por não ter amigos, estranhei esse fato, mas fui até a porta a fim de ver quem era. Não tinha ninguém. Imaginei que fosse uma brincadeira dos meninos que viviam jogando bola em frente de casa, aqueles moleques travessos. Ignorei e voltei para a cozinha. Com o jantar já pronto, resolvi ligar a televisão para ver o noticiário. Não tinha muitas opções para diversão, não gostava de música, os livros eram minha melhor companhia. Mas, como se fosse um desejo do destino, resolvi ver o que estaria na programação naquela hora. Sentei-me em frente à televisão e assustei-me com o que vi. Enquanto as imagens mostravam dois carros incendiados, a repórter comentava sobre o acidente, que havia deixado dois mortos, um homem e uma mulher, poucas horas antes de eu chegar em casa. Como as imagens estavam sendo transmitidas ao vivo e o local do acidente não era tão distante de casa, peguei as chaves do carro e me dirigi ao local, envolto numa curiosidade interminável e inexplicável de ver aquilo de perto.

Ao chegar lá, acompanhei o trabalho dos bombeiros para retirar o corpo do homem, preso às ferragens. Ouvi burburinhos de que a mulher fora retirada com vida, mas morrera na ambulância, rumo ao hospital. Ao mesmo tempo em que ficava impressionado com a cena que acompanhava, senti-me triste pelos familiares dos envolvidos. O fogo já havia sido apagado, mas o asfalto permanecia quente. Ou então era apenas algum tipo de alucinação, causada pelo espanto da cena que eu presenciava. Após o corpo do homem ser retirado, voltei até meu carro. Antes de dar a partida, fiquei imaginando que aquilo poderia acontecer com qualquer um. Minha mente viajava, pensando no acidente, quando a imagem daquela mulher que eu tinha visto à tarde invadiu meus pensamentos. Aquele sorriso, aquele olhar. Lembrei que ela havia passado por mim, me olhando, não sei de onde veio, não sei pra onde foi, mas sei que o olhar havia sido profundo. Não olhei pra trás pra vê-la novamente, segui meu caminho, e me arrependo de não ter dado mais atenção àquela que agora era a dona de meus pensamentos. Mesmo após ter visto as cenas que vi, mesmo tendo visto um corpo carbonizado sendo retirado das ferragens do carro deformado, aquela mulher era tudo em que eu pensava.

Após desvencilhar-me de meus pensamentos, dirigi até minha casa, tomando extremo cuidado, certamente não passei dos quarenta quilômetros por hora. Cheguei em casa, sem mais vontade de jantar, fui direto para meu quarto, sentei-me na cama e deixei meus pensamentos, mais uma vez, tomarem conta de mim. Desnecessário dizer o que se passava por minha cabeça. Era ela. Será que eu iria poder vê-la outra vez? Talvez ela estivesse indo para o trabalho naquela hora em que a vi, portanto, haveria a chance de vê-la novamente, no mesmo horário, no dia seguinte. Deitei-me e adormeci. Sonhei com ela. Não sei o motivo, mas sonhei.

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