Prólogo - O irmão

211 25 41
                                    

Deitada na mesa de metal, a rapariga acordou lentamente. Atordoada e confusa, os seus olhos semiabertos percorreram o quarto escuro. Uma secretária de metal, cadeira de metal inclinada para o lado como se alguém tivesse acabado de se levantar; do lado oposto, virando a cabeça para a direita com dificuldade, a rapariga viu uma mesa coberta de objetos. Os seus olhos não conseguiram identificar o que eram, nem sequer onde ela estava. Tudo parecia demasiado turvo e distante, como se tivesse ainda drogada. Ele havia usado drogas para a fazer desmaiar, essa era a única resposta para ela não se recordar de como chegara ali.

– Linda. – Sussurrou uma voz masculina ao seu ouvido. Dois dedos deslizaram pela sua bochecha. Ela bem se tentou afastar, mas não conseguia. – Serás perfeita para exposição.

Sem saber o que fazer, a jovem tentou observar a sala e descobrir uma saída, mas o seu capturador já havia injetado um líquido espesso no seu corpo e a sua mente fugia do estado de consciência. Os seus pulmões prendiam quase como se enchessem de água, o coração batia cada vez mais devagar e a sua cabeça pesava. Ela fechou os olhos e pensou no Centro, nas pessoas que a ajudaram e na família que ela perdera. Tudo passava pela sua mente enquanto o corpo caia num abismo do qual ela nunca iria sobreviver.

***

– Vais ser perfeita. – Ele viu o corpo falecer e não falou mais.

O passado regressava à sua mente sem que ele lhe desse autorização. Imagens do corpo da sua mãe, dormindo sobre a água do riacho, faziam com que ele se afastasse da jovem. Ela não era igual à sua adorada mãe, nunca seria perfeita como ela. Grunhindo, ele esmurrou a parede, magoando a mão com as farpas da madeira que partira. Ele queria replicar a perfeição da sua mãe e do seu corpo magnífico indo ao sabor das correntes enquanto ele o largava.

Passaram vinte anos desde que o incidente ocorrera. Apenas ele e a sua irmã sabiam a verdade. Fora horrendo quando a polícia chegara, mas nenhum deles falou. O silêncio era o único conforto, essa fora a uma das lições úteis que a mãe lhes ensinara. Agora que ele olhava para a rapariga deitada sobre a mesa, silêncio não era um conforto, era uma maldição. Ele queria ver a beleza de um corpo ondulando na água, contudo todas elas resistiram e ele teve de terminar o espetáculo pois era imperfeito. Ele acreditara mesmo que aquela era correta. Porque não pode ela sobreviver aos medicamentos?

– Mano? Estás ai em baixo? – A voz da sua irmãzinha soou vinda do topo das escadas da cave. Respirando fundo, ele passou a mão pelos cabelos e começou a subir a escadaria de madeira. Os degraus guinchando com cada passo.

– Está tudo bem, Anita? – Perguntou, vendo as lágrimas correndo pelas suas bochechas pálidas. Os olhos cinzentos e distantes estavam fixos no seu rosto mas ele sabia que eles nunca mais voltariam a vê-lo. Recolhendo a sua irmã nos seus braços, ele fechou a porta com o pé. – O que aconteceu?

A Anita abanou a cabeça e continuou a chorar, escondendo o seu rosto no pescoço dele. Suspirando, ele cariciou os cabelos encaracolados e deixou que ela o apertasse nos seus braços. Ele sabia que quando ela começava a chorar nada a parava e ela não contaria o que acontecera para a colocar naquela situação até uma noite com um descanso de pouca qualidade. A Anita podia ter vinte e sete anos, contudo ela sempre seria a sua irmãzinha; ele faria de tudo para a proteger. Por esse motivo ele fizera com que o bastardo do Rodrigo desaparecesse da vida deles. Nada iria ameaçar a sua felicidade e ele iria encontrar a solução para o dilema. Quando a perfeita mulher sobrevivesse, tudo ficaria bem.

– Tudo ficará bem, Anita. Eu estou aqui.

Espíritos d'ÁguaOnde histórias criam vida. Descubra agora