Capítulo 9

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Estes cafés são geniais! Abertos vinte e quatro horas por dia são simplesmente perfeitos para as noites de insónias, como esta. Eu tentei, juro que tentei, mas não consegui, virei-me e revirei-me transpirei, liguei o ar condicionado, destapei-me, bebi um copo de água fresca, mas o problema não era o calor, era eu, era mais uma daquelas longas noites. Rendida, acabei por me levantar e vestir-me para sair de casa, decidi vir até aqui, ao Carol's, falaste-me dele quando vivias cá, mas nunca cá vim... Tinha medo de te encontrar, agora arrependo-me. Venho quase todos os dias, sempre na esperança de te encontrar aqui, mas nunca cá estás, nunca poderias cá estar de qualquer das formas, não agora. 

Uma parte de mim, a parte racional, entende o que aconteceu, o que te aconteceu, porque eu estava lá, eu vi! Mas a outra parte de mim? Ah, a parte emocional nunca entenderá... Ainda tenho tantas perguntas para ti, sobre ti, mas parece que as minhas perguntas terão de esperar, não é assim? Ás vezes penso que não passou de um sonho, é algo tão distante, as memórias não passam de deslumbres muito rápidos e desfocados pelo tempo, seria possível que eu as tivesse formado apenas por ouvir a história repetidamente? Ou estaria eu mesmo lá? Eles dizem que sim, que eu lá estava, mas entre as memórias, os relatos das pessoas e os meus sonhos, eu nada consigo distinguir excepto um forte guinchar de travões e por fim o baralho de chapa partida. Não me lembro de correr até ti e de te abraçar e chorar como todos me contam, não me lembro de nada mais senão aqueles dois sons arrepiantes que agora me tiram o sono. 

São três e meia da manhã e eu estou no Carol's na mesa em que te costumavas sentar, não sei porque me sento sempre aqui, para ser honesta, inicialmente achava que me ia sentir mais perto de ti, mas não sinto nada. Aliás, só dói mais, saber que se me sentasse nesta mesa há um ano atrás teria estado contigo e talvez impedido tudo o que aconteceu. Dói-me o coração, dói mesmo! As pessoas têm a mania de achar que quando as pessoas dizem que dói é uma maneira de dizer que estão tristes ou com saudades, mas não é, é mesmo dor, dor física! Custa-me a respirar, parece que não há simplesmente oxigénio suficiente no ar.

Será que é tarde demais para pedir-te desculpa? Às vezes vou ao cemitério, sento-me no chão em frente à tua lápide e escrevo, escrevo poemas, falo contigo, choro, enfim, todas aquelas coisas que antes criticava mas que agora até parecem aliviar o meu sentimento de culpa. Devo parecer ridícula, agarrada a um caderno a chorar mas não consigo fazer outra coisa desde que te foste. 

Tinhas razão. Perder alguém só se torna realmente difícil ao fim de alguns meses. Durante os primeiros tempos, todos te apoiam, todos te amam, todos estão aqui para ti porque todos sabem o quanto éramos amigos, mas depois todos se vão desvanecendo, afastando devagarinho na esperança que não notes que te deixaram. Eventualmente ficas sozinho, mas sabes que mais? É melhor assim, sozinho, apenas com quem realmente está a sofrer, TU, pelo menos assim sabes que é real, que todos os que te acompanham sofrem com a mesma intensidade que tu. Nas primeiras semanas, com toda a gente a convidar-te para tudo e a arrastar-te para fora de casa, esqueces-te que alguém morreu. É feio. Esquecer os mortos é feio. Mas foi o que fiz, todos nós temos de fazer coisas feias para sobreviver, o mundo funciona assim.

Pergunto-me sempre o mesmo: O que me parou? Naquela noite, o que me parou? 

A resposta é sempre a mesma, medo. Medo do que poderia acontecer entre nós, eu não estava certa de que isto era certo. Eu gostava da tua companhia, de ir ao cinema contigo, e de jantar fora e de ir dormir à tua casa, ou ter-te a dormir na minha, mas viver com alguém, mesmo que contigo, assustava-me, nem sei porquê, mas congelava-me a alma só de me imaginar a viver com alguém. E apesar de seres sempre muito compreensivo, não consegui contar-te, acho que não há ninguém compreensivo o suficiente para compreender o medo que tenho de me entregar ao amor dessa forma. 

Mas quem me dera ter tido coragem naquela noite, só naquela noite! Sabes o que me irrita mais? Saber que tu não tinhas bebido nada, naquele dia não bebeste porque tínhamos uma aposta - quem bebesse primeiro pagava o jantar no novo restaurante ao fim da rua. Se ao menos eu tivesse ido até até ao café, mesmo que ao final da noite, sei que tínhamos acabado na minha casa, nenhum de nós se teria magoado. Assim, por culpa minha, magoámo-nos os dois.

Estou farta de te pedir desculpas mas como poderás algum dia perdoar a pessoa que te matou? 

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