Capítulo 14

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Querido cigarro,

Obrigada.

Obrigada por me iluminares nas noites escuras e frias de Inverno, aquelas em que ranjo os dentes com frio e me enrolo em três ou mais camadas de roupa na tentativa inútil de me aquecer.

Obrigada por me transmitires segurança; por me manteres firme quando as minhas mãos tremem de ansiedade e incapacidade de gerir toda as coisas que me rodeiam

Obrigada pelo prazer. Obrigada pelos beijos que me deixas dar-te. Obrigada por te consumires por mim, apenas para me satisfazer a mim e aos meus caprichos. És o único, o único que a meu mandado se desfaz em fumo, o único que perante o meu toque amargo se consome, o único que se deixa arder pela promessa de um beijo.

Querido cigarro, companheiro das festas na associação de músicos, companheiro das segundas feiras, aquele que me vê sorrir nos 20's e chorar nos 16's.
És mais fiel que eles, sabes? Estás sempre comigo e, por isso, obrigada cigarro, obrigada.

Só é pena o modo como nos olham quando te beijo... Preconceito, puro preconceito para contigo e para comigo também, mas não te preocupes, eles fazem isso com toda a gente, não é só contigo. É que as pessoas tendem a fazer isto sabes? Tendem a apontar o dedo e criticar e troçar dos outros e das suas escolhas, mas não tendem a esticar-te uma mão para te ajudar, não tendem a dar-te um ombro para chorar nem sequer a reparar que algo não está certo. Por isso, cigarro, não te preocupes. Ignora os olhares que te fazem e beija-me.

Suga a minha ansiedade, puxa-a de mim com toda a tua força, por favor! Arrasta para longe de mim este manto negro que se me pregou à minha pele para mais não me largar.

Oh cigarro, cigarro, és o meu porto seguro, a vara para a minha videira, sem ti não sou nada. Se não te fumo, não descanso, não durmo, não vivo, não sou.
A nossa simbiose é o meu único contentamento... És certo, é certo que quando jogar a mão ao meu bolso das calças tu vais lá estar, é um facto. E eu gosto de factos. Tu estás, estás sempre, e eu valorizo as presenças.

Obrigada por estares lá comigo no dia 28 de Fevereiro do ano passado, cigarro, bem sabes que foi um dia complicado. Obrigada por teres chorado comigo, gritado comigo, sagrado comigo, corrido comigo até à arriba e,depois, obrigado cigarro por me parares a tempo. Obrigada por não me deixares saltar. Obrigada por me manteres viva, como sempre, cigarro, fiel companheiro das horas amargas...

Só não entendo, cigarro, porquê? Porquê agarrar-me e parar-me antes que pudesse saltar da arriba? Para quê? Também tu me matas, não é assim, cigarro?
Matas, matas, sei que matas, sinto-te a fazê-lo, em silêncio, quando te suplico calma.
Cigarro, cigarro, qual é o teu preço? Preciso de ti, sim, mas achas bem o que me fazes? Todo o bem estar que me proporcionas, esta homeoestasia em que me deixas, o que me pedes tu em troca?  Nada.

Esse é o teu único defeito cigarro. É que me não pedes... Levas. Simplesmente levas grão a grão a minha vida, sem uma palavra, sem um aviso, sem um pedido de permissão. Oh, cigarro, e como não devias...

Mas eles também o fazem, não é cigarro? Eles também me matam, matam-me de maneiras tão diferentes, às vezes que quase que entendo o suicídio, o mundo é cruel, e nem todos temos um cigarro...

Mata-me cigarro, por favor. 

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